Cancer


... e lá um caranguejo
Põe fora friamente suas garras sombrais e graduais
Como um lento borrão que se espalha, — até que todo o chão,
Rastejado por ele, parece estar rastejando. [i]
Drama of Exile, de Elizabeth Browning.


CANCER

é Crab para os anglófonos, e Krebs dos alemães,— mas Krippe na obra de Bayer. Chamamo-lo ora Caranguejo ora Câncer, assim como os franceses: Cancre ou Écrevisse, e os italianos: Cancro ou Granchio. Ele jaz próximo aos Gêmeos, a leste, e é popularmente reconhecido por seu traço distintivo: o aglomerado de estrelas denominado Presépio ou Colmeia. Arato chamava-o Καρκίνος, no que Hiparco e Ptolomeu o acompanharam; e nas Tábuas Afonsinas essa palavra foi latinizada para Carcinus. Eratóstenes estendeu-a como Καρκίνος, Ὄνοι καί Φάτνη, o Caranguejo, Asnos (Aselli) e Presépio (Praesaepe); e outros gregos chamaram-no Ὀπισθοβάμων e Ὀκτάπους,[ii] correspondente ao Octipes de Ovídio e Propércio. Litoreus, o Que Habita a Costa, vem da pena de Manílio e Ovídio; Astacus e Cammarus aparecem nos textos de vários autores clássicos; e Nepa é do De Finibus de Cícero e da obra de Columella, Manílio, Plauto e Varrão, — todos com o significado de Caranguejo, ou Lagosta, embora mais comum, e talvez mais corretamente, para o Escorpião. Sexto Pompeu Festo, o gramático do século III, afirmou que esta última era uma palavra africana equivalente a Sidus,[iii] uma Constelação ou Estrela.

Hevelius representou Câncer como uma lagosta.

É a figura mais inconspícua do zodíaco, e por incluí-la nele a mitologia defende-se com a lenda do Caranguejo esmagado por Hércules, ao ferir-lhe os dedos do pé durante a luta que o herói empreendia contra a Hidra nos pântanos de Lerna, sendo exaltado aos céus por Juno; daí Columella denominou-o Lernaeus. No entanto, poucos signos celestes foram objeto de tanta atenção nos tempos remotos e poucos foram mais bem determinados; pois, de acordo com a filosofia caldeia e platônica, ele correspondia à suposta Porta dos Homens através da qual as almas descem dos céus e encarnam em corpos humanos.[iv]

Câncer, no Hyginus de 1482.
Na astrologia, com Escorpião e Peixes, formava o Trígono de Água; e era tido como o Domicílio da Lua, da antiga crença que este luminar aí se encontrava durante a Criação; e o Horóscopo do Mundo, por estar, dentre todos os signos, mais próximo ao zênite.[v] Era um dos signos desafortunados, que governa o tórax e o estômago humano; e regia sobre a Escócia, Holanda, Zelândia, Borgonha, África (especialmente sobre Argel, Trípoli e Túnis) e as cidades de Constantinopla e Nova Iorque. Nos tempos de Manílio, regia a Índia e a Etiópia, mas ele o considerava um signo produtivo. Suas cores eram verde e castanho-avermelhado; e uma antiga fábula atribuía sua regência ao deus Mercúrio, daí seu título Mercurii Sidus. Quando o sol se encontrasse dentro de seus limites, toda tempestade de raios causaria comoções, fome e ataque de gafanhotos; e Berōssōs afirmou que a Terra seria inundada quando todos os planetas se encontrassem em Câncer e consumidos pelo fogo quando se encontrassem em Capricórnio. Mas isso era uma inversão da regra dos astrólogos; pois, como Pascal escreveu:

Eles só atribuem boa sorte a raras conjunções dos astros, e é assim que suas previsões raramente falham.

Diz-se que a constelação era o Sol do Sul na Acádia, talvez de sua posição no Solstício de Inverno numa era muito remota;[vi] mas posteriormente foi associado com o quarto mês Dūzum (ou Dumuzu), nossos junho–julho, e era conhecido como a Porta Norte do Sol, de onde esse luminar começaria seu movimento retrógrado.[vii] Nan-garu é a transliteração que Strassmaier deu ao título cuneiforme; outros indicaram Puluk-ku e Khas,[viii] Divisão, possivelmente referindo ao coluro solsticial como linha divisória. Ainda, Brown reivindicou para ele o título Nagar-asagga, o Trabalhador do Curso d’Água.

Seu antigo nome sânscrito era Karka e Karkata, correspondente ao tâmil Karkatan e ao cingalês Kathaca; mas os hindus de épocas posteriores o conheciam como Kulira, de Κόλουρος, o termo criado por Proclo para o nosso coluro.

Os persas o tinham como Chercjengh e Kalakang; os turcos, Lenkutch; os sírios, e talvez os caldeus posteriores, Sartono; os hebreus, Sarṭān; e os árabes, al-Saraṭān, todas estas palavras equivalentes a Câncer. Al-Bīrūnī adicionou al-Lihāʿ,[ix] o Palato Mole, mas este era um título muito antigo dos árabes em conexão com seu manzil al-Nathrah, o Sulco Nasal.

Kircher afirmou que, no Egito copta, ele era Κλαρία, a Bestia seu Statio Typhonis, o Poder das Trevas; Lalande identificou-o com Anúbis, uma das divindades do Nilo comumente associada a Sirius. Mas os judeus atribuíram-no à tribo de Issacar, a quem Jacó equiparou a um “jumento de ossos fortes”[x] que cada um dos Aselli representam; e Dupuis asseverou que estes últimos nomes foram derivados dessa associação judaica.

Câncer e constelações vizinhas, no atlas estelar de J. Bode

Uma crônica saxã de aproximadamente o ano 1000 tinha “Cancer que é Crabba”; Chaucer usava Cancre, provavelmente uma lembrança dos dias anglo-normandos, pois em seu tempo ele era geralmente chamado Canser; e Milton o chamou Tropic Crab por ele marcar um dos trópicos.[xi]

Apresentando apenas poucas estrelas, e com uma lúcida mais fraca que a 4.a magnitude, era o Signo Escuro, estranhamente descrito como preto e sem olhos. Dante, aludindo a esta debilidade e alta posição nos céus, escreveu no Paraíso:

Lume entre eles depois tanto fulgura,
Que, se Câncer tivesse igual estrela,
Fora do Inverno um mês luz sem mistura. [xii]

Jensen identificou-o com a Tartaruga da Babilônia, e ele foi assim representado lá e no Egito por volta de 4000 aC; contudo, nos registros egípcios de aproximadamente 2000 aC, ele era descrito como um Escaravelho, sagrado, como indica seu nome específico sacer,[xiii] e tido como um emblema de imortalidade. Este era o κάραβος grego, com sua bola de terra nas garras, uma idéia que reaparece até no século XII, quando um manuscrito iluminado de cunho astronômico mostra aí um Besouro d’Água. No Albumasar de 1489, ele é um grande Lagostim; Bartschius e Lubienitzki, no século XVII, tornaram-no uma Lagosta, e esse último adicionou na direção dos Gêmeos um pequeno asterismo similar a um camarão que ele denominou Cancer Minor.

Caesius o assemelhou à Couraça da Justiça de Efésios 6:14; enquanto o Praesaepe e os Aselli eram a Mangedoura do menino Jesus, presumivelmente ladeada pelo Jumento e o Boi. Julius Schiller afirmou que o conjunto representava São João Evangelista.

Nossa figura aparece no zodíaco circular de Dendera, mas na localização do Leão Menor.

Este planisfério [1] é um baixo-relevo comparativamente tardio, supostamente de 34 aC, no tempo de Tibério e Cleópatra, ou possivelmente posterior a estes; mas ele mostra, ao menos em parte, os céus de muitos séculos atrás, cuja data exata foi ficada por Biot em aproximadamente 700 aC, embora alguns estudiosos, notavelmente Brugsch, puxam-no para mil anos antes e asseverem que ele foi em grande parte copiado de obras similares do tempo de Sargão.[xiv] Ele foi descoberto pelo general francês Desaix de Voygoux em 1799, e removido em 1820 para a Bibliothèque Imperiale em Paris, onde permanece desde então. Sua aparência é a de um grande e antigo medalhão de arenito, com 1.5 m de diâmetro, contido num quadrado de 2.4 m. Com alguns erros patentes, é, no entanto, um objeto muito interessante e muito citado, embora não tenha toda a importância que lhe foi atribuída. De suas muitas gravuras, a melhor se encontra na revista de Flammarion, L’Astronomie, de setembro de 1888.

Câncer encontra-se no globo de Farnese sob uma figura quadrangular, na localização de nosso Lince, algo sobre o qual não se encontrou uma explicação.

Nesta constelação, com algumas pequenas variações quanto aos limites em diferentes momentos da astronomia hindu, — γ e δ sempre eram incluídas e, ocasionalmente, η, θ e o Presépio, — localizava-se o 8.o nakshatra [xv] Pushya, Flor, ou Tishya, o Nutridor, tendo Bṛhaspati, o sacerdote e instrutor dos deuses, como divindade regente. Ele foi algumas vezes representado como um Crescente ou como a ponta de uma Seta; mas Amarasimha, o autor sânscrito de 56 aC, chamava-o Sidhya, Próspero.

O manzil al-Nathrah, a lacuna no bigode sob o focinho do suposto imenso Leão antigo, era formado principalmente pelo Presépio; mas posteriormente γ e δ foram algumas vezes incluídas, as quais eram al-Ḥimārayn, os Dois Asnos, um título adotado dos gregos. Os árabes também o conheciam como Fum al-Asad e como Anf al-Asad, a Boca, e o Focinho, do Leão, ambos referindo-se à primitiva figura.

O xiù Guǐ, Espectro, no passado Kut, o Similar a Nuvem, era formado pelo Presépio com η e θ, sendo esta última muito estranhamente selecionada, pois hoje em dia está no limite da observação a olho nu, e ainda assim foi tomada como a estrela determinante, — talvez um caso de variação em brilho. Este asterismo, com Jǐng nos Gêmeos, formava o Chún Shǒu, um dos doze Gōng zodiacais, o qual Williams traduziu como a Cabeça da Codorna, apontando seu título moderno como Jù Xiè, o Caranguejo; esta Codorna é a mesma conhecida como Fênix, Faisão ou Pássaro Escarlate, o qual, com as estrelas do Leão e da Virgem, marcava a residência do Imperador Vermelho, ou do Sul.

Câncer, no Urania's Mirror,
de Sidney Hall
Como os Gêmeos e Touro, ele foi representado nascendo de costas, ao que alguns dos antigos atribuíam, de forma fantasiosa, o movimento mais lento do Sol ao passar por tais constelações, bem como sua influência na produção do calor do verão; até Samuel Johnson, em Rasselas, aludiu aos “ardores do caranguejo”.[xvi] Muito diferentemente, no entanto, Ampélio associava-o ao frio Setentrião ou Vento Norte.

Moedas de Cós no Mar Egeu trazem a figura de um Caranguejo que pode ser uma referência a esta constelação.

O símbolo do signo, ♋, provavelmente corresponde “aos restos da representação de alguma dessas criaturas”;[xvii] mas também se refere aos dois Asnos que tomaram parte no conflito dos deuses com os gigantes [xviii] na península macedônia de Palene, a primitiva Flegra, recompensados após isso com um lugar de descanso no céu em ambos os lados da Manjedoura.

Atualmente, o sol atravessa os limites da constelação de Câncer entre 21 de julho a 11 de agosto; mas o solstício, que no passado aí se encontrava e deu nome ao trópico, atualmente se encontra dezenas de graus a oeste, nos limites da constelação do Touro, para onde migrou por volta de dezembro de 1989. Apenas por volta do ano 4609, o solstício deixará Touro e ingressará em Áries.

O célebre cometa Halley foi visto inicialmente em Câncer em 1531; e em junho de 1895, todos os planetas, com exceção de Netuno, estavam neste quadrante do céu, um evento incomum e bastante interessante. Argelander catalogou 47 estrelas visíveis a olho nu nesta constelação, em adição às do Presépio; e Heis, 91.

α, dupla, 4.4 e 11, branca e vermelha.

Acubens, do Chelae quas Acubenae Chaldai vocant das Tábuas Afonsinas, não é uma palavra caldeia, mas sim derivada do árabe al-Zubānāh, os Ferrões ou Pinças, no mais meridional dos quais esta estrela se encontra, próximo à cabeça da Hidra. Bayer repetiu-o em seus Acubene e Azubene, juntando-lhes os nomes listados por Plínio — Acetabula, as cavidades dos braços de um caranguejo, e Cirros, — mais apropriadamente Cirrus, — Tentáculos, isto é, os braços do caranguejo, equivalente aos Flagella de Ovídio, que Bayer erroneamente traduziu como Chicote; outros de modo similar escreveram Branchiae [xix] e Ungulae (Pinças). Bayer também citou Grivenescos como um termo dos “bárbaros”, ininteligível a menos que seja sua versão de Γραψαῖος, Caranguejo. Sartan e Sertan provêm do nome árabe para a figura inteira. A estrela ι, que marca a outra Pinça, compartilha muitos desses títulos.

Alguns atribuem-lhe o nome Al Hamarein, — um erro indiscutível, pois al-Ḥimārayn era a denominação usual dos arábios para os Asnos, γ e δ, significado da própria palavra árabe.

Acubens é uma estrela de tipo espectral A5, com pouco mais do que duas vezes a massa do Sol. Sua débil companheira foi observada em 1836 num ângulo de posição de 325° e uma separação de 11.3".

β, 3.5,

foi oficialmente nomeada pelo WGSN da União Astronômica Internacional em 2018 com Tarf, do árabe Ṭaraf, Fim, por se localizar na ponta da pata austral do animal. Listas estelares antigas trazem este nome prefixado pelo artigo definido árabe e numa transliteração inadequada: Al Tarf, ou até mesmo, Altarf.



Sunt in signo Cancri duae stellae parvae aselli appellatae. [xx]
Naturalis Historia, de Plínio

γ, 4.6, e δ, 4.3, cor de palha.

Asellus borealis e Asellus australis, respectivamente, o Pequeno Asno do Norte e do Sul, formavam os Ὄνοι, ou Asnos, de Ptolomeu e dos gregos; os Aselli, ou Asini, dos romanos, distinguidos por sua posição como aqui apresentada, até aos dias de hoje, e popularmente conhecidas entre os anglófonos como Donkeys (Asnos). O Almagesto latino publicado em Basel em 1551 traz Asinus apenas para γ, mas as Tábuas Afonsinas e o Almagesto de 1515 contêm Duo Asini (Dois Asnos); e os arábios igualmente conheciam-nas como al-Ḥimārayn, os Dois Asnos. Bailey, em seu poema The Mystic de 1855, chama-as Aselline Starlets (Estrelinhas Asininas). [xxi]

M 44, o Presépio. As duas estrelas mais brilhantes à esquerda são
as Asellus Borealis e Australis, respectivamente, acima e abaixo.
Manílio supostamente teria aludido a estas estrelas estendidas como Jugulae, tomado diretamente de Jugum, o Jugo, que se tornou Jugulum, a Clavícula, — no plural Jugula e Jugulae; mas Ideler assegura que tal se originou de uma declaração errônea de Fírmico, e que a referência feita pelo poeta, na verdade, era ao bem conhecido Cinturão de Órion. [xxii]

O estranho título usado por Riccioli, Elnatret, sem dúvida vem daquele na mansão lunar al-Nathrah, que os Aselli e o Praesepe constituíam.

Na astrologia, eles correspondiam a sinais de morte violenta para aqueles que estivessem sob sua influência; enquanto com respeito ao tempo, a sua eventual fraqueza de brilho era um precursor infalível de chuva, sobre o qual Plínio assim discorre:

Se o nevoeiro esconder o Asellus a nordeste, ventos fortes do sul podem ser esperados, mas se a estrela do sul estiver escondida, o vento será do nordeste. [xxiii]

Nosso atual Serviço Meteorológico provavelmente nos diria que, se uma dessas estrelas estivesse assim escondida, a outra também estaria. Plínio mencionou-as com o Praesaepe como se formassem uma constelação individual; mas ele era dado a multiplicar os grupos estelares.

Por mais inconspícua que seja, os babilônios usaram δ para marcar sua 13.a constelação eclíptica Arkū-sha-nangaru-sha-shūtu, a Estrela Sudeste no Caranguejo; e Brown afirmou que os Aselli, com η, θ e o Praesaepe, formavam o asterismo acadiano Gu-shir-kes-da, Junta (ou Jugo) do Cercado. Elas também marcavam a junção dos nakshatras Pushya e Āshleshā. Na China, ela fazia parte do asterismo Guǐ Sù, Fantasma, parte do xiù Guǐ, de mesmo significado.

A seguinte passagem do The Solar System de John Russell Hind acerca de δ pode ser considerada interessante:

A mais antiga observação astronômica de Júpiter,[2] de que temos notícia, foi descrita por Ptolomeu no Livro X, cap. III, do Almagesto, e considerada por ele livre de qualquer dúvida. Data do ano 83.o ano após a morte de Alexandre, o Grande, no dia 18 do mês egípcio Epiphi, na parte da manhã, quando o planeta ocultou a estrela agora conhecida como δ Cancri. Tal observação foi feita em 3 de setembro, 240 aC, cerca de 18 h no meridiano de Alexandria. [xiv]

ε, 6.3.

Esta designação foi originalmente aplicada por Bayer ao aglomerado irregularmente estendido, NGC 2632, ou M 44, situado na cabeça do Caranguejo, composto por cerca de 150 estrelas de magnitudes entre 6½ a 10, formando dois triângulos perceptíveis entre elas. Mas atualmente é usada para referenciar apenas o seu membro mais brilhante, uma estrela de sexta magnitude, nomeada em 2017 pelo WGSN da União Astronômica Internacional como Meleph, do árabe Maʿlaf, Manjedoura.

Já o aglomerado é conhecido na literatura astronômica produzida em inglês como Beehive (Colmeia), mas a origem desse nome é obscura, embora sem sombra de dúvida se trate de uma designação recente, pois em canto algum ele foi conhecido como Apiarium.

Cientificamente ele era o Νεφέλιον, ou Pequena Nuvem, de Hiparco; o Ἀχλύς, ou Pequena Névoa, de Arato; o Νεφελοειδής, Nebuloide, Συστροφή, Nuvem Rodopiante, e Nubilum, literalmente Céu Nublado, de Bayer; mas geralmente os Almagestos e astrônomos dos séculos XVI e XVII referiam-se a ele como Nebula, e Nebulosa, in pectore Cancri, pois antes da invenção do telescópio esta era a única nebulosa universalmente reconhecida, não sendo seus componentes distinguíveis separadamente pela visão comum. Mas parece ter sido estranhamente considerado como três objetos nebulosos. [xxv] Galileu, certamente, foi o primeiro a resolvê-lo, e escreveu em O Mensageiro das Estrelas: [3]

A nebulosa chamada Praesaepe, a qual não é somente uma estrela, mas um amontoado de mais de quarenta pequenas estrelas. Eu registrei trinta, além dos Aselli.

Os anglófonos também o conhecem popularmente como Manger (Manjedoura), ou Crib (Estábulo), que corresponde ao Φάτνη de Arato e Eratóstenes, e ao Φάτνης de Ptolomeu; já entre os romanos, Praesaepe, Praesaepes, Praesaepis, Praesaepia, Praesaepium, — origem do nosso Presépio, — e ainda Presepe, nas Tábuas Afonsinas, e Pesebre, de Bayer, — assim também em espanhol, — flanqueado pelos Aselli, para cuja acomodação ele talvez tenha sido invendado. Bayer citou para ele Melleff, no que Chilmead seguiu com Mellef, e Riccioli com Meeleph, todos derivados da mesma palavra árabe que nomeia ε; e esta, por sua vez, é influência da astronomia grega, pois o Maʿlaf dos árabes inicialmente se situava na Taça. Schickard tinha-o como Mallephon.

Brown inclui ε com γ, δ, η e θ na estação lunar persa Avra-k, a Nuvem, e na copta Ermelia, Nutrição.

Tirtamo Teofrasto, o primeiro botanista, por volta de 300 aC, e Arato, descreveu sua debilidade e desaparecimento na condensação progressiva da atmosfera como um sinal seguro de chuva a se aproximar; e Plínio afirmou que

Se o Presépio não estiver visível em um céu aberto, isto é um presságio de tempestade violenta;[xxvi]

e Arato nos Διοσημεῖα (Prognósticos) :

Um Presépio obscurecido com ambos os Asnos
Brilhando inalterados é um sinal de chuva.
Mas se o Asno ao Norte é ocultado por vapores
Enquanto aquele ao Sul brilha radiante,
Espere o vento do Sul; vapores e o brilho
Em estrelas trocadas prenunciam Bóreas. [xxvii]

Weigel usou-o no século XVII, em seu conjunto de signos heráldicos, como a Manjedoura, um brasão imaginário para os fazendeiros.

Na astrologia, como todos os aglomerados, pressagiava prejuízo e cegueira.

Na China, ele era conhecido com o desagradável título Jīshī Qì, Exalação dos Cadáveres Empilhados; e a 1° dele Mercúrio foi observado nesse país em 9 de junho do ano 118, um dos primeiros registros de observação astronômica deste planeta.

ζ, ternária, 5.6, 6.3, e 6, amarela, laranja, amarelada, — variável.

Esta situa-se na borda traseira da concha do caranguejo, e é conhecida como Tegmine, ablativo latino para Tegmen, Cobertura, que foi oficializado pelo WGSN da União Astronômica Internacional em 2016. Avieno, o escritor do século IV, supostamente teria usado apenas Tegmen, no nominativo. Ideler, entretanto, diz que Avieno referia-se à concha de cobertura do animal marinho e não do estelar.

Na China, era a parte do asterismo Shuǐ Wèi, Nível da Água.

Este é um sistema múltiplo de grande interesse para astrônomos, formado por uma estrela binária e uma uma tripla, bem como ao curto período de revolução orbital das duas estrelas mais próximas — sessenta anos. A máxima separação entre estas é 1", a mínima o".2; e ainda assim nunca se aproximam a ponto de parecer uma estrela única. O sistema triplo dista 5", e seu período orbital é de pelo menos 500 anos.

ζ e θ, de acordo com as investigações de Peters, provavelmente são os objetos anunciados por Watson como dois planetas intramercurianos, descobertos (?) durante o eclipse total do Sol em 29 de julho de 1878.

ι,

em listas de nomes estelares mais modernas, tem aparecido com o nome Decapoda, termo latino para Dez Pés. Mas se desconhece desde quando este nome lhe foi associado.

λ, 5.9,

é Piautos, batizada em 2018 pelo WGSN da União Astronômica Internacional. O nome originalmente era aplicado à estação lunar copta que a estrela integrava. Sua etimologia é controversa: alguns a traduzem como “o Olho”, mas a explicação mais aceita é um hibridismo formado pelo determinante copta pi com a palavra grega autos, com o significado de “Aquele Mesmo”.

Com φ, χ, ψ, ω e outras estrelas adjacentes, formava na China o asterismo Guàn Wèi, ou simplesmente Guàn, a Almenara (ou Farol de Alerta).

μ, 6

foi atribuída por Williams, juntamente com χ Geminorum, ao asterismo chinês Jī Xīn, a Pilha de Lenha. Porém, identificações de asterismos chineses realizadas mais recentemente não ligam essas estrelas a tal asterismo, mas sim a outros.

ξ, 5.15,

é Nahn, o Nariz, batizada em 2018 pelo WGSN da União Astronômica Internacional. O nome originalmente era aplicado à estação lunar persa que a estrela integrava, que equivale à estação copta Piautos, que atualmente nomeia λ. Esta mesma estação lunar equivale ao nono manzil al-Ṭarf,[xxviii] que por sua vez batiza a estrela β. Alguns traduzem seu nome como “o Fim, a Extremidade”, da palavra árabe Ṭaraf, mas outros o traduzem como o “o Olhar”, da palavra árabe Ṭarf. Considerando a possível tradução de Piautos como “o Olho”, todos esses nomes parecem indicar a extremidade do rosto do Leão, o antigo Asad dos árabes, que ocupava uma grande região do céu nessa vizinhança.

Willians atribuiu ξ, com κ e outras estrelas do Leão, ao asterismo chinês Jiǔ Qí, uma das bandeiras daquele país; porém, identificações de asterismos chineses realizadas mais recentemente não ligam ξ ou κ a tal asterismo.

ρ, 5.95.

Foi batizada com o nome Copernicus, na votação mundial online capitaneada pela União Astronômica Internacional em 2015. É também conhecida como 55 Cancri, sua designação na nomenclatura Flamsteed. À época do concurso, era um maiores sistemas planetários extrassolares conhecidos ao redor de uma estrela de tipo solar, com cinco planetas confirmados, os quais receberam os nomes Galileo, Brahe, Lipperhey,[xxix] Janssen e Harriot. Todos esses nomes prestam homenagem a cientistas que, de alguma forma, contribuíram para o estudo dos planetas do Sistema Solar: respectivamente, os astrônomos Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Tycho Brahe e Thomas Harriot, e os primeiros construtores de telescópios, Hans Lipperhey e Jacharias Janssen.


Notas de Rodapé (do texto original)


[1] O templo que o continha era dedicado a Ísis, e é o menor dos dois mais célebres situados em Dendera, a Tentyris dos gregos e Tentore dos coptas, nomes derivados de Tan-ta-rer do antigo Egito, que significa Terra do Hipopotamo. O sítio já era consagrado muito antes da construção do edifício do tempo, o qual atualmente se encontra em ruínas. [Nota do Tradutor: alguns filólogos acham mais plausível a etimologia Ta-ynt-netert, que significa “Aquela do Pilar Divino”.]
[2] Este planeta era conhecido pelos gregos como Ζεύς e como Φαέϑων, o Brilhante.
[3] Este livro, mais conhecido por seu título latino Sidereus Nuncius, publicado em Veneza por Galileu em 1610, apresentou ao mundo pela primeira vez os resultados de suas observações ao telescópio.


Notas Explicativas da Tradução


[i] Excerto do poema A Drama of Exile, de Elizabeth Browning. No original: “(…) and there a crab / Puts coldly out its gradual shadow-claws, / Like a slow blot that spreads, — till all the ground, / Crawled over by it, seems to crawl itself”.
[ii] Ὀπισθοβάμων, o que anda para traz; Ὀκτάπους, de oito pés ou patas.
[iii] Festus: ‘Nepa Afrorum lingua sidus, quod Cancer appellatur, vel, ut quidam volunt, Scorpius’, apud Plautus, in “M. Accii Plauti Comœdiæ, Vol. 1”, ed. J. F. Gronovii, 1829, Londres, pg. 518.
[iv] Na tradição pitagórica e neoplatonista, a “Porta dos Homens” corresponderia à casa zodiacal onde a alma descenderia à esfera da Lua, à espera pelo nascimento. A associação da porta com Câncer se deve ao solstício de verão boreal, que coincide com a chegada do Sol neste signo.
[v] Horóscopo do Mundo, ou Thema Mundi, é um horóscopo mítico usado na antiga astrologia helenista para representar as supostas posições planetárias no momento da Criação do Mundo. Nessa representação, Áries se encontra no Meio do Céu (isto é, o meridiano local) e Câncer junto ao Ascendente (ponto cardeal leste, no horizonte). Para muitos, este é o motivo de Câncer ser considerado o Horóscopo do Mundo (a rigor seria o signo regente do Horóscopo do Mundo). Allen fornece outra explicação, menos popular, mas aparentemente também usada em círculos místicos, segundo a qual Áries é representado junto ao Descendente (ponto cardeal oeste, no horizonte) e Câncer é que se encontra no Meio do Céu (isto é, mais próximo ao zênite).
[vi] Essa afirmação não parece merecer muito crédito, pois tal evento teria ocorrido por volta de 13500 aC, ainda no Paleolítico.
[vii] Esse conceito é análogo ao da Porta dos Homens, pois a partir do solstício de verão boreal que o Sol passa a se mover em direção a declinações menores, nascendo cada vez mais ao Sul.
[viii] Allen escreveu χas. Veja a nota [xxxvi] em Aquarius.
[ix] Não consegui encontrar essa palavra em dicionários árabes.
[x] Gênesis 49:14.
[xi] Neste trecho, Allen erroneamente classifica os trópicos como círculos máximos (great circles). Um trópico, na verdade, é um paralelo de latitude.
[xii] Versos 100-102 do Canto XXV do Paraíso, na Divina Comédia de Dante. Allen usou a tradução inglesa de Longfellow, que é um pouco mais clara: “Thereafterward a light among them brightened, / So that, if Cancer one such crystal had, / Winter would have a month of one sole day”. A tradução apresentada em português é de José Pedro Xavier Pinheiro. No original, em italiano: “Poscia tra esse un lume si schiarì / sì che, se ‘l Cancro avesse un tal cristallo, / l’inverno avrebbe un mese d’un sol dì”.
[xiii] Referência ao nome científico da espécie: Scarabaeus sacer (escaravelho sagrado).
[xiv] Há três governantes assírios denominados Sargão. O primeiro deles, Sargão da Acádia (c. 2334 – 2284 aC) parece ser muito antigo para se ser o objeto desse comentário. Sargão I da Assíria (c. 1920 – c. 1881 aC) coincidiria vagamente com a data, mas não foi um governante de grande poder e importância, ao contrário de Sargão II (722 – 705 aC), o qual por sua vez é muito posterior ao período cogitado por Brugsch. Talvez a passagem se refira ao primeiro, Sargão da Acádia, com uma datação errada.
[xv] Para Allen, este era o 6.o nakshatra. Veja a nota [xi] em Andromeda.
[xvi] Citação à frase do Capítulo XLI de Rasselas, Prince of Abyssinia de Samuel Johnson. No original, o trecho se insere na frase: “I have restrained the rage of the dog-star, and mitigated the fervours of the crab”.
[xvii] A frase entre aspas é uma citação, prática comum usada por Allen quando quota verbatim uma frase de outro autor. Todavia, não tive sucesso em localizar a obra original que a empregou.
[xviii] Referência ao Cataterismos de Eratóstenes, que narra a história dos asnos que auxiliaram a vitória dos deuses na Gigantomaquia. Isso ocorreu quando Dioniso, Hefesto e os sátiros chegaram para a batalha montados sobre asnos, os quais zurraram o suficiente para assustar os Gigantes, permitindo que os deuses vencessem a luta.
[xix] É possível que o nome Branchiae, Brânquias, seja uma confusão feita por autores antigos com o nome Brachia, Braços, listado por Bayer para esta estrela. Este autor também fornece Branchias, uma aparente variante do primeiro.
[xx] Referência ao capítulo LXXX do Livro XVIII do Naturalis Historia de Plínio. Em tradução aproximada: “Há no signo de Câncer duas pequenas estrelas chamadas Pequenos Asnos”.
[xxi] Referência ao v. 791 do poema The Mystic: “The aselline starlets and the manger dim”. O verso faz parte de uma longa exaltação a Câncer, que lembra sua identificação como Horóscopo do Mundo: “By the coelestial crab, with whom the world / Its eastward march commenced (...)”.
[xxii] O Astronomicon de Manílio apresenta nos versos 174-175 do Livro V: “Nunc Cancro vicina canam, cui parte sinistra / consurgunt Iugulae”, que teria sido lida por Fírmico como uma referência aos Asnos, provavelmente pela etimologia da palavra Iugulae. A tradução de Marcelo Vieira Fernandes (in Manílio — Astronômicas: Tradução, Introdução e Notas, Dissertação de Mestrado, PPG Letras Clássicas, Universidade de São Paulo, 2006) se alinha à afirmação de Ideler, não deixando margem de dúvida de que se trata de uma alusão a Órion: “Agora cantarei as estrelas vizinhas de Câncer, na parte esquerda do qual se eleva o Cinturão”.
[xxiii] Referência ao capítulo LXXX do Livro XVIII do Naturalis Historia de Plínio. No original latino: “si vero alteram earum, aquiloniam, caligo abstulit, auster saevit; si austrinam, aquilo”. Não encontrei a citação exata usada por Allen: “If fog conceals the Asellus to the northeast high winds from the south may be expected, but if the southern star is concealed the wind will be from the northeast”, mas suspeito que se trate da tradução ao inglês feita por Philemon Holland, à qual não tive acesso.
[xxiv] In Hind, J. R. 1852, The Solar System, Nova Iorque: Putnam, pg. 143.
[xxv] In Smyth, W. H. 1844, A Cycle of Celestial Objects, Londres: John W. Parker, pg. 207. Os três objetos nebulosos seriam “três estrelas nebulosas” que emitiriam a luz peculiar do aglomerado não resolvido a olho nu. Sobre a informação de que esta era a primeira nebulosa reconhecida, o mesmo livro informa, à pg. 206, que Andrômeda só veio a ser alvo de especulação científica após 1612.
[xxvi] Referência ao capítulo LXXX do Livro XVIII do Naturalis Historia de Plínio. No original latino: “nubecula, quam praesepia appellant. haec cum caelo sereno apparere desiit, atrox hiems sequitur”. Não encontrei a citação exata usada por Allen: “If Praesaepe is not visible in a clear sky it is a presage of a violent storm”, mas como na nota [xxiii] acima, suspeito que seja a tradução de Philemon Holland.
[xxvii] Versos 171-176 do Διοσημεῖα de Arato. No original grego: Εἰ δὲ μελαίνηται, τοὶ δ' αὐτίκ' ἐοικότες ὦσιν / ἀστέρες ἀμφότεροι, ἐπί χ' ὕδατι σημαίνοιεν. / Εἰ δ' ὁ μὲν ἐκ βορέω Φάτνης ἀμενηνὰ φαείνοι / λεπτὸν ἐπαχλύων, νότιος δ' Ὄνος ἀγλαὸς εἴη, / δειδέχθαι ἀνέμοιο νότου, βορέω δὲ μάλα χρὴ / ἔμπαλιν ἀχλυόεντι φαεινομένωι τε δοκεύειν”. Traduzi ao português a partir da citação em inglês feita por Allen, que corresponde à tradução feita por E. Poste (in The Sky and Weather-Forecasts of Aratus, 1880, Londres: MacMillan and Co., pg. 42): “A murky Manger with both stars / Shining unaltered is a sign of rain. / If while the northern Ass is dimmed / By vaporous shroud, he of the south gleam radiant, / Expect a south wind: the vaporous shroud and radiance / Exchanging stars harbinger Boreas”. Compare com a tradução ao inglês versificada por John Lamb: “If black the Phatne, and the Onoi clear, / Sure sign again that drenching showers are near. / And if the northern star be lost to sight, / While still the southern glitters fair and bright, Notus will blow. But if the southern fail, / And clear the northern — Boreas will prevail”.
[xxviii] Para Allen, trata-se do 7.o manzil. Veja a nota [xv] em Andromeda.
[xxix] O nome inicialmente escolhido pela o planeta 55 Cancri d na votação promovida pela União Astronômica Internacional foi Lippershey, posteriormente corrigido ao se constatar que um s havia-lhe sido erroneamente introduzido pela literatura científica do século XIX.

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