Crux


Terminou a agonia do dia longo e azul.
Puseram-lhe nas mãos o Cruzeiro do Sul
E o céu todo se encheu de sangue constelado [i]
O Enterro do Sol, de Cassiano Ricardo.


CRUX

O Cruzeiro do Sul, ou Cruz, Cruz do Sul e Cruzeiro, é chamado de Kreuz pelos alemães, Croce pelos italianos, e Croix pelos franceses, embora a edição de 1776 do Atlas de Flamsteed denomine-a Croisade. Entre os anglófonos, é o Southern Cross (Cruz Sulina).

A Cruz, aos pés do Centauro, no planisfério de Hevelius.

Ela era desconhecida entre os antigos por seu atual título; suas quatro estrelas principais foram tratadas por Ptolomeu como uma parte do Centauro, que atualmente a cerca em três lados. Desta forma Bayer a delineou sobre as patas traseiras, rotulando-lhe as estrelas como ε, ζ, ν e ξ Centauri; mas atualmente elas são α, β, γ e δ Crucis, — a lucida de magnitude 1.3 ao pé da cruz, γ brilhando na 2.a magnitude no topo, com β e δ, as antigas ξ e ν, na transversal; estas últimas, respectivamente, de magnitudes 1.7 e 3.4. Uma quinta estrela, ε, de 4.a magnitude, entre α e δ, interfere um pouco na regularidade da figura; e há quarenta e nove outras visíveis a olho nu dentro dos limites da constelação.

Bayer marcou a Cruz usando a notação das estrelas do Centauro

A afirmação de que ela foi mencionada por Hiparco provavelmente está errada, embora ele distintamente tenha aludido a ela como parte do Centauro; mas Plínio pode tê-la conhecido como Thronos Caesaris (Trono de César) em homenagem ao imperador Augusto; apesar disso ela era invisível da Itália, embora plenamente visível de Alexandria, onde ela poderia ter sido assim nomeada por algum astrônomo bajulador. E al-Bīrūnī escreveu que uma estrela poderia ser vista de Multã na Índia, situada na latitude 30°12′ de latitude norte, “que eles chamam de Sūla,” a Viga da Crucifixação. Se isto for uma referência à Cruz, trata-se de uma impressionante antecipação da figura moderna. Hewitt, repetindo este título como Ṣhūla, atribui-o ao polo sul dos astrônomos hindus.

Whittier diz, em seu Cry of a Lost Soul:

A Cruz do perdão ilumina os céus tropicais; [ii]

o que está correto nos dias atuais, pois ela não é inteiramente visível acima da latitude +27°30′. Ela era vista no horizonte de Jerusalém — +31°46′45″ — nos primeiros séculos da Era Cristã. Mas 7000 anos antes disso,[iii] todas as suas estrelas estavam a 7° acima do horizonte dos povos selvagens que habitassem as costas do Mar Báltico, na latitude +52°30′.

Ignace Pardies mostra dúvida sobre a correta representação da Cruz, ao desenhá-la duas
vezes,
uma alinhada ao polo sul, e outra atrelada às patas do Centauro, tal como em Bayer.

Sua invenção como constelação é frequentemente atribuída a Royer em 1679, mas ela foi tema de muita descrição por quase dois séculos antes dele, a começar pelos relatos dos navegadores que estavam a serviço do rei de Portugal durante o século XV e XVI: em 1455, Alvise Cadamosto descreveu-a vagamente com a forma de uma cruz e a denominou Carro dell’Ostro (Carreta do Sul), em analogia à Carreta de Carlos no hemisfério norte; o Mestre João, na viagem que levou Cabral ao Brasil em 1500, registrou-a corretamente em sua carta a Dom Manuel I e a chamou de Las Guardas;[iv] Américo Vespúcio fez menção a ela e às Nuvens de Magalhães nos relatos de suas viagens de 1501 e 1502 ao Brasil; e Andrea Corsali a incluiu no primeiro mapa rudimentar dos céus austrais, enviado ao mesmo monarca em 1516. Fora de Portugal, sabemos que ela foi ilustrada na Inglaterra por Mollineux, em 1592, em seu globo celeste, juntamente com outras figuras austrais; e Bayer a desenhou sobre as patas traseiras do Centauro, anotando-a em seu texto como modernis crux, Ptolemaeo pedes Centauri (modernamente cruz, pé do centauro em Ptolomeu). Bartschius tinha-a separada em 1624, e Caesius catalogou-a em 1662 como já bem conhecida; portanto, parece notável que no Atlas de Flamsteed, de 1729, ela foi apenas delineada sobre o Centauro.

Lacaille, referência de Flamsteed, apenas delineia a posição da Cruz, sob o Centauro

O Cruzeiro do Sul jaz sobre a Via Láctea, — que nesse ponto é uma corrente brilhante, embora estreita, com três ou quatro graus de largura, — e é perceptível tanto por sua coesão quanto por sua forma, tendo apenas 6° de extensão de norte a sul, e ainda menos em largura. Sua estrela mais ao norte tem cor laranja claro e as restantes são brancas. O aspecto geral é o de uma pipa malfeita, em vez de uma cruz. De modo que, a despeito de toda a poesia e romance associados a ele, — e talvez devido a isso, — geralmente decepciona aqueles das latitudes boreais que o veem pela primeira vez.

Por doze séculos, de Plínio a Dante, não encontramos alusão a suas estrelas até que aquele grande poeta, no Purgatório, deixando de lado sua contemplação de Vênus a “velar os Peixes”,[v]

puosi mente
a l’altro polo, e vidi quattro stelle
non viste mai fuor ch’a la prima gente,[vi]

em que o Barão Alexander von Humboldt, em seu Examen Critique, insistiu que ele se referia ao Cruzeiro;[vii] já Longfellow, traduzindo tais versos como

and fixed my mind
Upon the other pole and saw four stars
Ne’er seen before save by the primal people,[viii]

considerou-as uma referência figurativa às virtudes cardeais: Justiça, Prudência, Fortitude e Temperança, atributos de Catão como Guardião do Purgatório, que afirma

Cada qual, ninfa aqui, nos céus estrela.[ix]

Em seguida, ainda no mesmo canto inicial do Purgatório, lemos sobre Catão:

A luz dos santos astros rutilante
De fulgor tanto lhe aclarava o gesto.[x]

Barlow afirmou em seu Study of Dante que tal referência à “prima gente” não é seria aos nossos primeiros pais bíblicos mas sim aos antigos povos que há 5000 anos podiam avistar o Cruzeiro desde latitudes muito mais setentrionais do que aquelas da Itália. Na mesma passagem, Dante aludiu à sua invisibilidade local em sua apóstrofe aos céus boreais:

Do Norte, ó região, viúva hás sido,
De os contemplar te não foi dado ensejo,[xi]

e no Canto VIII denomina-as Le quatro chiare stelle.[xii]

O Cruzeiro do Sul, no planisfério de Coronelli.

Onde Dante aprendeu tudo isso não sabemos, pois não foi senão 200 anos depois que tivemos a publicação de qualquer relato dessa constelação; mas que ele prestava grande atenção aos céus é evidente por suas frequentes e inteligentes alusões a eles ao longo da Divina Comédia. Ele também era um homem de erudição, bem como de imaginação e gênio poético, — Carlyle lhe apodou o porta-voz de dez séculos silenciosos, — e pode ter visto alguns dos globos celestes árabes, sobre pelo menos um dos quais — provavelmente o borgiano de 1225 — sabemos que as estrelas do Centauro estavam representadas; e ele, sem dúvida, teve frequentes oportunidades de encontros com viajantes eruditos,[1] ou alguns dos muitos viajantes que retornaram entre seus próprios conterrâneos aventureiros, dignos sucessores de seus antigos vizinhos, os fenícios. Isso deve ser suficiente para explicar essas alusões, sem atribuí-las à inspiração profética. E aqui, embora de forma alguma conectado com a Cruz, eu chamaria a atenção para um fato que agrada aos amantes das estrelas — a saber, “a bela e infinita aspiração, tão artística e silenciosamente sugerida por Dante, ao encerrar cada parte de seu poema com a palavra stelle”.[xiii]

O Inferno termina com:

Saindo a ver tornamos as estrelas;[xiv]

o Purgatório:

Pronto a me alar às lúcidas estrelas;[xv]

e o Paraíso:

Volvia o Amor, que move Sol e estrelas.[xvi]

Observe, também, o avanço talvez inconsciente do poeta no conhecimento astronômico além de seus contemporâneos em associar o sol às estrelas.

Cruzeiro do Sul, no planisfério de Burrit.

Américo Vespúcio, em sua terceira viagem em 1501, relembrou as passagens de Dante, insistindo que ele próprio foi o primeiro europeu a ver as Quatro Estrelas, mas não usou o título da Cruz e as chamou de Mandorla.[2] Vasco da Gama falou sobre elas nas Lusíadas:

Já descoberto tínhamos diante,
Lá no novo hemispherio nova estrella,
Não vista de outra gente,[xvii]

enquanto quase quatro séculos após ele, Lord Lytton (Owen Meredith) tinha algo parecido em sua obra Queen Guenevere:

Então senti-me como alguém perplexo,
Guiado por lendas e luz de estrelas
A longos sítios de areia noturna,
Além da rubra terra das Pirâmides,
Que, subitamente se volta ao céu,
Dum senso de brilho incomum, e vê
Despontar contra o manto constelado
A Grande Cruz do Sul.[xviii]

Escritores do século XVI fizeram frequente menção a ela em seus relatos de navegação nos mares do Sul; Corsali teria escrito em 1517:

Sopra queste apparisce una Croce marauigliosa in mezzo di .V. stelle che la circondano come il carro latramontana: com altre stelle com epse intorno al polo fanno girandola lontane in circa .XXX. gradi: fa suo corso in .XXIIII. hore et di tanta belleza che non mi pare anissuno celeste segno comparando.[xix]


Subsequentemente, em 1520, Pigafetta, membro do grupo que partiu na viagem de Magalhães, mencionou-a como El Crucero e una croce maravigliosa usada para a determinação das altitudes, afirmando que Dante a descreveu pela primeira vez; Pedro Sarmiento de Gamboa também a chamou de Crucero;[xx] Blundevill, in 1574, Crosier e, muito diferentemente, South Triangle (Triângulo do Sul), mas isto foi 29 anos antes de Bayer atribuir este título a outras estrelas. Eden também cita Crossiers e Crosse Stars; Chilmead, Crusero e Crusiers; Sir John Narborough, Crosers; e Halley, em 1679, Crosiers.

Um século antes de Halley, o naturalista português Cristóbal Acosta, escrevendo o título como Cruzero, — do antigo espanhol Cruciero, — denominou a Cruz como o Relógio Celeste Austral; e ela desempenhou esse papel útil por quase 400 anos. Von Humboldt, em Voyage to the Equinoctial Regions of the New Continent, aludindo aos portugueses e espanhóis, escreveu:

Um sentimento religioso os liga a uma constelação cuja forma lembra o sinal da fé plantada por seus ancestrais nos desertos do Novo Mundo —

um pensamento que Felicia Hemans tão belamente exprime em seu poema The Cross of the South quando o viajante espanhol diz:

But to thee, as thy lode-stars resplendently burn
In their clear depths of blue, with devotion I turn,
 
Bright Cross of the South! and beholding thee shine,
Scarce regret the lov’d land of the olive and vine.
Thou recallest the ages when first o’er the main
My fathers unfolded the streamer of Spain,
And planted their faith in the regions that see
Its imperishing symbol ever blazon’d in thee. [xxi]

Von Humboldt junta a isso:

As duas grandes estrelas, que marcam o cume e o pé da Cruz, têm quase a mesma ascensão reta; disso segue-se que a constelação fica quase perpendicular no momento em que passa pelo meridiano. Essa circunstância é conhecida pelos povos de todas as nações situadas além dos trópicos ou no hemisfério sul.

Foi observado a que horas da noite, em diferentes estações, a Cruz está ereta ou inclinada.

É feito um relógio que avança com muita regularidade quase quatro minutos por dia, e nenhum outro grupo de estrelas permite a olho nu uma observação do tempo de forma tão fácil.

Quantas vezes ouvimos nossos guias exclamarem nas savanas da Venezuela e no deserto que vai de Lima a Trujillo: “Passou a meia-noite, a Cruz começa a se curvar”. Quantas vezes essas palavras nos lembraram daquela cena comovente em que Paulo e Virgínia, sentados perto da nascente do rio Lataniers,[xxii] conversaram pela última vez, e quando o velho, ao ver a Cruz, os avisa que é hora de separarem-se, dizendo, “la Croix du Sud est droite sur l’ horizon”.[xxiii]


Von Humboldt achava notável que essas estrelas tão marcantes e bem definidas não tivessem sido desmembradas há mais tempo da grande e antiga constelação do Centauro, especialmente porque Qazwīnī e outros astrônomos maometanos se esforçavam para encontrar cruzes noutras partes do céu;[xxiv] e afirmou que os antigos persas, que conheciam bem o Cruzeiro, celebravam um festival em seu nome;[xxv] seus descendentes, aos quais a constelação foi perdida devido à precessão, encontraram-lhe um sucessor no Golfinho.

Os índios Pareni, à época de von Humboldt, davam muita importância às estrelas da Cruz, chamando-as Bahumehi, em referência a um de seus principais peixes.[xxvi]

O Cruzeiro do Sul numa das pranchas de Andreas Cellarius.


Lockyer alude a ela como a Estrela Polar do Sul, no sentido de apontar o polo, o que pode até ser quando ela se encontra no meridiano, sendo a constelação mais proeminente na vizinhança do polo, embora a estrela de sua base esteja a aproximadamente 28° daquele ponto, cerca de quatro vezes e meia o comprimento da Cruz. Mas esta é uma ideia antiga; o Ductor in linguas de Minsheu já trazia, ao verbete “Cruzero”, Quatuor stella poli, Foure starres crossing (Quatro estrelas polares, quatro estrelas que se cruzam); e Sarmiento, mesmo antes disso, tinha basicamente o mesmo, mas asseverava que, “com a ajuda de Deus”, fora capaz de selecionar outra estrela polar mais próxima ao ponto verdadeiro.

Ela não era visível aos chineses. Mas por influência de missionários ocidentais, foi incluída em suas cartas celestes como um asterismo austral, com o nome Shí Zì Jià, a Cruz. Modernamente também é conhecida como Nán Shí Zì, a Cruz do Sul.

Suas cinco estrelas foram exibidas em selos do Brasil, — as Terras da Santa Cruz na pena de Camões, — cercadas por vinte e uma estrelas que simbolizavam as unidades da federação brasileira, e algumas de suas moedas apresentam o mesmo. Este próprio nome não foi dado ao país pelo poeta, mas sim por seu descobridor Pedro Álvares Cabral, em 1.o de maio de 1500; e o ilustre Ptolemaeus impresso em Roma em 1508, que continha o primeiro mapa do novo continente, trazia como título para a América do Sul, Terra sancte crucis.

A tribo dos Aranda e Luritja, na Austrália, juntava γ e δ Crucis com γ e δ Centauri para formar uma constelação quadrangular denominada Iritjinga, o Gavião Real.

Parcialmente dentro dos limites da constelação, e no ponto de máxima aproximação da Via Láctea ao polo sul, está o Saco de Carvão (ou Saco de Fuligem), uma nebulosa escura em forma de pera com 8° de comprimento por 5° de largura, contendo apenas uma estrela visível a olho nu, que é muito pequena, embora haja muitas outras que podem ser vistas por telescópio. Esta singular vacância de estrelas foi descrita formalmente pela primeira vez por Peter Martyr, embora tenha sido observada em 1499 por Vicente Yanez Pinzón, e designada por Vespúcio como il Canopo fosco (Canopus escura), e talvez aludida por Camões. Narborough escreveu sobre isso em 1671 como “uma pequena nuvem negra sobre a qual jaz o pé da Cruz”; mas antes dele já era conhecida como Macula Magellani, a Mancha de Magalhães, e Smyth a mencionou como a Nuvem Negra de Magalhães. Froude descreveu-o em seu Oceana como “uma mancha escura — uma abertura para a terrível solidão do espaço vazio”.[xxvii]

A Cruz nos mapas de Bode. Note à sua esquerda que o
Saco de Carvão está anotado como Macula Magellanica.

Uma lenda nativa da Austrália, que se parece “quase como uma parábola cristã”, diz que o Saco de Carvão era “a personificação do mal sob a forma de uma Ema, que fica à espreita ao pé de uma árvore, representada pelas estrelas da Cruz, por um gambá que, impelido por seus predadores, busque refúgio entre seus ramos”. De fato, nessa mesma região se localiza parte da enorme Ema (ou Emu) celestial formada pelas nuvens escuras vistas em contraste contra o fundo brilhante da Via Láctea, que é reconhecida tanto por aborígenes da Austrália quanto por indígenas da América do Sul.

Os indígenas do Peru imaginavam-no como um Veado celestial que amamenta seu filhote.

Embora este seja o mais notável de tais “curiosos vazios através dos quais parecemos olhar diretamente para o infinito”,[xxviii] há muitos outros assim nos céus; uma lista extensa de 49 deles foi compilada por Sir John Herschel em sua obra Observations at the Cape of Good Hope, e outra abreviada por Espin no Celestial Objects de Webb.

α, Tripla, 1, 2, e 6.

Acrux, já no Atlas de Burritt, provalmente um nome de sua própria cunhagem a partir de uma abreviação de α Crucis. Esse nome foi oficializado pelo WGSN da União Astronômica Internacional em 2016. Já nos antigos textos portugueses, ela é a Estrela de Magalhães, ou Magalhânica, em alusão a Fernão de Magalhães. Al-Tizīnī definiu sua posição como próximo ao osso do tornozelo da pata traseira direita do Centauro, no que concorda com a prancha de Bayer, que a designou por ζ.

Sua binariedade foi descoberta por missionários jesuítas enviados pelo rei Luís XIV ao Sião em 1685; e sua outra companheira, de 6.a magnitude, situa-se a 90". As duas estrelas maiores estão separadas por 4", com um ângulo de posição de 112°.

β, 1.2,

é conhecida oficialmente como Mimosa, embora a origem desse nome seja desconhecida. Alguns apontam que se trata de uma referência à flor conhecida como mimosa (cheias de mimo), referenciando-o ao latim mimus (mima, imitação) pois entre esse gênero se encontram plantas que apresentam movimento vegetal rápido (as populares “sensitivas”), como se a planta imitasse a vida sentiente, mas a ligação entre a estrela e a flor é obscura. Uma possibilidade mais factível, embora não documentada, é que se trate apenas de um qualificativo português com o sentido de “delicada”, que seria parte do conjunto de outros nomes de estrelas do Cruzeiro do Sul com qualificativos portugueses: Rubídea, Pálida e Intrometida.

Ela também é conhecida em algumas listas como Becrux, sua designação no Atlas de Burritt, da abreviação de β Crucis, aos moldes do nome de Acrux.

γ, 1.6, vermelha.

Chama-se Gacrux, nome formado pela abreviação de γ Crucis, introduzido por Burritt em seu Atlas. Em 2016, esse nome foi oficializado pelo WGSN da União Astronômica Internacional. Os brasileiros, contudo, conhecem-na como Rubídea, a “do cor do rubi”, devido à luz rubra que ela emite.

δ, 2.79,

recebeu do WGSN da União Astronômica Internacional o nome Imai, termo pelo qual os Mursi da Etiópia a denominam. Os Mursi usam várias marcações celestiais para indicar eventos sazonais; particularmente, quando δ Crucis deixa de aparecer no céu noturno ao anoitecer (por volta do final de agosto), diz-se que o rio Omo sobe o suficiente para aplainar a grama imai que cresce ao longo de suas margens.

No Brasil, ela é conhecida como Pálida, por ser a mais débil dentre as quatro principais estrelas da Cruz.

ε, 3.6.

É Ginan, nome oficialmente reconhecido em 2017 pelo WGSN da União Astronômica Internacional, termo com o qual os Wardanan, da Austrália, designavam-na. Em sua mitologia, ela representa uma sacola vermelha cheia de canções especiais de conhecimento.

No Brasil, essa estrela é conhecida popularmente como Intrometida, por parecer se imiscuir irregularmente entre as principais estrelas da Cruz, quebrando sua simetria.

Ao redor de κ, uma estrela de magnitude 6½, situa-se a Caixinha de Jóias, NGC 4755, um célebre aglomerado estrelas coloridas que ocupa quarenta e oito avos de um grau quadrado; a estrela mais central e principal do aglomerado mostra um vermelho profundo, cercada por outras de variadas cores e matizes; mas sobre ele Agnes Clerke escreveu:

Deve-se reconhecer que, com aberturas telescópicas moderadas, ele não apresenta muito bem o efeito de cor sugerido pela comparação que Sir John Herschel (seu descobridor) fez com “uma linda peça de joalheria”. Algumas estrelas avermelhadas chamam a atenção imediatamente; mas os tons de azul, verde e amarelo pertencentes a seus companheiros são matizes pálidos, mais do que meio submersos em luz branca.[xxix]

Gould, entretanto, considerava-o primorosamente lindo.


Notas de Rodapé (do texto original)


[1] Marco Polo foi seu contemporâneo.
[2] Esta, literalmente “uma Amêndoa”, é a palavra usada na arte italiana para representar o vesica piscis, a glória oblonga, que rodeia o corpo dos santos quando ascendem aos céus.
[2] Esta “figura” não é usada por sua excelência artística, mas sim para ilustrar a ignorância daquela época acerca da localização e magnitude das estrelas austrais. Em especial, nela as Nuvens estão posicionadas de forma errada com respeito ao polo.


Notas Explicativas da Tradução


[i] Versos 1-3 do poema O Enterro do Sol, de Cassiano Ricardo. Allen usou versos do poema The Voyage of Columbus, de Samuel Rogers, na epígrafe: “The four that glorify the night! / Ah! how forget when to my ravish’d sight / The Cross shone forth in everlasting light!” (As quatro que glorificam a noite! / Ah! como esquecer quando para minha visão arrebatada / A cruz brilhou em luz eterna!). Allen esclarece ainda que neste poema Rogers descreveu (erroneamente) Colombo a usar um telescópio um século antes de sua invenção!
[ii] Verso 33 do poema The Cry of a Lost Soul, de John Greenleaf Whittier. No original: “The Cross of pardon lights the tropic skies”.
[iii] Allen calcula erroneamente essa data em 3000 aC; a simulação do céu com o software Stellarium indica que a época real deva ser por volta de 7000 aC.
[ii] O Mestre João era espanhol e sua carta a Dom Manuel está escrita numa mistura de castelhano e português quinhentista. Por isso a constelação foi por ele denominada Las Guardas em vez de As Guardas.
[v] Referência aos versos 16-21 do Canto I do Purgatório, na Divina Comédia de Dante: “Recreia a vista; e eu ledo me deleito / Em surdindo da estância tenebrosa, / Que tanto os olhos contristara e o peito. / A bela estrela, a amor auspiciosa / Sorrir alegre faz todo o Oriente, / Vela os Peixes, que a seguem, luminosa”, na tradução José Pedro Xavier Pinheiro. No original, em italiano: “a li occhi miei ricominciò diletto, / tosto ch’io usci’ fuor de l’aura morta / che m’avea contristati li occhi e ‘l petto. / Lo bel pianeto che d’amar conforta / faceva tutto rider l’oriente, / velando i Pesci ch’erano in sua scorta”.
[vi] Excerto dos versos 22-24 do Canto I do Purgatório, na Divina Comédia de Dante. Na tradução versificado feita por José Pedro Xavier Pinheiro: “Ao outro polo endereçando a mente / volto-me à destra, e os astros quatro vejo, / Que vira só a primitiva gente”.
[vii] Von Humboldt, A., in Examen critique de l'histoire de la géographie du nouveau continent, vol. I, 1836, Paris: Librairie de Gide, pg. 43-44.
[viii] Em tradução aproximada: “E fixei minha atenção no outro polo e vi quatro estrelas que nunca foram vistas a não ser pelo povo primevo”.
[ix] Verso 106 do Canto XXXI do Purgatório, na Divina Comédia de Dante. Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro. No original: “Noi siam qui ninfe e nel ciel siamo stelle”. Allen usou a tradução de Longfellow: “We here are Nymphs and in the Heaven are Stars”.
x [x] Versos 37-38 do Canto I do Purgatório, na Divina Comédia de Dante. Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro. No original: “Li raggi de le quattro luci sante / fregiavan sì la sua faccia di lume”. Allen usou a tradução de Longfellow: “The rays of the four consecrated stars / Did so adorn his countenance with light”.
[xi] Versos 26-27 do Canto I do Purgatório, na Divina Comédia de Dante. Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro. No original: “oh settentrional vedovo sito, / poi che privato se’ di mirar quelle!”. Allen usou a tradução de Longfellow: “O! thou septentrional and widowed site / Because thou art deprived of seeing these!”.
[xii] Excerto do verso 91 do Canto VIII do Purgatório, na Divina Comédia de Dante. Em tradução aproximada: “as quatro estrelas brilhantes”.
[xiii] O trecho entre aspas é uma citação à carta enviada em 25 de março de 1864 por Henry W. Longfellow a George Washington Greene. No original: “the beautiful and endless aspiration, so artistically and silently suggested by Dante, in closing each part of his poem with the word stelle”.
[xiv] Versos 145 do Canto XXXIV do Inferno, na Divina Comédia de Dante. Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro. No original: “E quindi uscimmo a riveder le stelle”. Allen usou a tradução de Longfellow: “Thence we came forth to rebehold the stars”.
[xv] Versos 139 do Canto XXXIII do Purgatório, na Divina Comédia de Dante. Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro. No original: “puro e disposto a salire a le stelle”. Allen usou a tradução de Longfellow: “Pure and disposed to mount unto the stars”.
[xvi] Versos 145 do Canto XXXIII do Paraíso, na Divina Comédia de Dante. Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro. No original: “l'amor che move il sole e l'altre stelle”. Allen usou a tradução de Longfellow: “The love which moves the sun and the other stars”.
[xvii] Excerto dos versos 1-3, da 14.a estrofe, Canto V, dos Lusíadas de Luís de Camões. Allen usou a tradução de J. J. Aubertin: “A group quite new in the new hemisphere, / Not seen by others yet”.
[xviii] Versos 28-35 do poema Queen Guenevere, de Owen Meredith. Tradução metrificada nossa. No original: “Then did I feel as one who, much perplext, / Led by strange legends and the light of stars / Over long regions of the midnight sand / Beyond the red tract of the Pyramids, / Is suddenly drawn to look upon the sky, / From sense of unfamiliar light, and sees, / Reveal’d against the constellated cope, / The great cross of the South”.
[xix] Trecho da carta de Andrea Corsali a Lorenzo de Medici. Allen usou uma tradução ao inglês feita ainda no século XVII por Richard Eden publicada em seu The First three English books on America: “Above these [the Magellanic Clouds] appeareth a marveylous crosse in the myddest of fyve notable starres which compasse it abowt (as doth Charles Wayne the northe pole) with other starres whiche move with them abowt .xxx. degrees distant from the pole, and make their course in .xxiiii. houres. This crosse is so fayre and bewtiful, that none other hevenly sygne may be compared to it as may appeare by this fygure”.
[xx] Na primeira edição deste livro, Allen informa que Pedro Sarmiento de Gamboa usava os nomes “Star Crucero” e “Stars of Crucero” para o Cruzeiro, mas isso não é verdadeiro. Allen foi levado ao engano pela tradução ao inglês (feita por Clements Markham) dos relatos de Pedro Sarmiento de Gamboa. Enquanto em espanhol se lê: “Aquí es cosa mui provechosa el Crucero que está treinta grados sobre el Polo-Antártico”, a tradução em inglês tinha: “The star Crucero is very serviceable, being 30 degrees from the Antarctic Pole”. Noutra parte, compare: “ajustó las Estrellas del Crucero y sus Guardas” com a tradução “he adjusted the stars of Crucero and its pointers”. No primeiro caso, o termo Star sequer surge no original em espanhol; no segundo, está claro que se refere às estrelas da constelação do Cruzeiro”.
[xxi] Versos 9-16 do poema The Cross of the South, de Felicia Hemans. Em tradução aproximada, não versificada: “Mas a ti, enquanto tuas gemas estelares brilham / Em seus claros matizes de azul, com devoção me volto, / Brilhante Cruz do Sul! e vendo-te resplandecer / Sinto menos falta da amável terra da oliveira e da vinha. / Tu te lembras das eras quando pela primeira vez sobre o mar / Meus antepassados desfraldaram a flâmula da Espanha, / E plantaram sua fé nas regiões que veem / Seu símbolo imortal eternamente gravado em ti”. Allen erroneamente escreveu “ensign of Spain” onde o poema original trazia “streamer of Spain”; isso foi corrigido neste texto.
[xxii] Referência ao romance Paulo e Virgínia, de Bernardin de Saint-Pierre. O relato de von Humboldt pode ser encontrado no vol. I de Le voyage aux régions equinoxiales du Nouveau Continent, fait en 1799–1804, par Alexandre de Humboldt et Aimé Bonpland publicado em 1805 em Paris.
[xxiii] Em tradução aproximada: “o Cruzeiro do Sul está reto sobre o horizonte”.
[xxiv] Von Humboldt, A., in Cosmos: a Sketch of a Physical Description of the Universe, vol. II, 1849, Londres: Henry G. Bohn, pg. 667.
[xxv] Há algum provável erro na atribuição dessa afirmação a von Humboldt. No volume II de Cosmos: a Sketch of a Physical Description of the Universe, von Humboldt fala sobre o esforço de Qazwīnī para encontrar cruzes no Golfinho (ver o texto principal correspondente à nota dcciii acima), mas nada fala acerca da festividade persa dedicada à cruz. Não tive sucesso em encontrar essa afirmação em algum texto de von Humboldt. Há referências indiretas noutras obras que parecem ter guiado Allen na atribuição da ideia a Humboldt. A citação provavelmente veio de The gospel in the stars, de Joseph Augustus Seiss (1882, New York : C. C. Cook): “Humboldt refers to the fact that the ancient Persians celebrated a feast of the cross a few days before the sun entered Aries, which was the time of year when the Southern Cross was highest and most brilliant in their skies. He also speaks of the modern Persians, Kaswini, and Mohammedan astronomers as searching for crosses in the signs of the Dolphin and the Dragon”. Acredito que Seiss errou ao associar Humboldt à primeira parte dessa afirmação, que parece ter vindo de Dupuis (The Origin of All Religious Worship, 1872, Nova Orleans, pg. 253): “Thus the Persians in their feasts of Neuruz, or of the entry of the Sun into the sign of the Lamb of spring, celebrate in songs the renovation of all things, and the new day, of the new month, of the new year, of the new time, which shall renew all, which is the offspring of time. They have also their feast of the cross a few days before; it is followed a few days after by that of victory”. Também Frances Rolleston cita Dupuis como origem da seguinte afirmação: “Long before the Christian era, the cross was a most sacred emblem among the Egyptians. A few days before the sun entered Aries, the ancient Persians had the feast of the cross. At that time the Southern Cross was visible by night, probably about 10° above the horizon. They called Aries, the Lamb” (in Mazzaroth, 1862, Londres: Rivingtons, pg. 18). Tanto Seiss quanto Dupuis costumavam fazer afirmações infundadas em suas obras, baseadas em pura analogia ou semelhança. Motivado por ideias cristãs, Seiss via o Cruzeiro como um sinal celestial, tal como Áries representaria o Cordeiro de Deus. Entre outras, Seiss afirmava que os persas celebravam a cruz que era perdida e reencontrada, como se soubessem que a precessão dos equinócios faria com que a constelação do Cruzeiro se tornasse invisível em seus céus para voltar posteriormente milênios depois. Isso não faz muito sentido. Seria preciso um registro muito mais detalhado e de longa duração para que esse tipo de conhecimento pudesse ser transmitido através das gerações. Tampouco encontrei a origem da afirmação que a Cruz foi substituída pelo Golfinho no festival dos persas; talvez tenha sido uma conclusão à qual Allen chegou sozinho, interpolando o que Humboldt e Dupuis afirmaram desencontradamente.
[xxvi] Este relato encontra-se no vol. V de Le voyage aux régions equinoxiales du Nouveau Continent, fait en 1799–1804, par Alexandre de Humboldt et Aimé Bonpland publicado em 1805 em Paris: “I showed the constellation of the Southern Cross to a Pareni Indian , who covered the lantern while I was taking the circummeridian heights of the stars; and he called it Bahumehi, a name which the caribe fish, or serra-salme, equally bears in Pareni”. Os pareni eram uma tribo de etnia aruaque, que habitavam a região do Alto Orinoco.
[xxvii] No original, tal como citado por Allen: “the inky spot — an opening into the awful solitude of unoccupied space”, in Oceana, Froude, J. A. 1912, Londres: Longmans, Green & Co., pg. 70.
[xxviii] No original: “curious vacancies through which we seem to gaze out into an uninterrupted infinity”, in Celestial objects for common telescopes, Webb, T. W. 1917, Londres: Longmans, Green & Co., pg. 261.
[xxix] In The system of the stars, Clerke, A. M. 1890, Londres: Longmans, Green & Co., pg. 240. No original: “It must be confessed that, with moderate telescopic apertures, it fails to realize the effect of colour implied by Sir John Herschel’s [its discoverer] comparison to ‘a gorgeous piece of fancy jewellery’. A few reddish stars catch the eye at once; but the blues, greens and yellows belonging to their companions are pale tints, more than half drowned in white light”.

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