Crater


E, juntamente, a taça favorita de Iaco [i]
Astronomicon, de Manílio.


CRATER

A Taça ou, mais raramente Copa, corresponde ao francês Coupe, ao inglês Cup, ao alemão Becher e ao italiano Tazza. Ela é formada por várias estrelas de 4.a e 5.a magnitude que se situam acima do dorso da Hidra, a oeste do Corvo, e a 30° a sul de Denebola, em uma forma parcialmente anular que se abre para o noroeste. Ela foi há tempos considerada parte da constelação tripartite Hydra et Corvus et Crater (Hidra com o Corvo e a Taça); mas os astrônomos modernos catalogam-nas separadamente. Argelander assinalou para ela 14 estrelas visíveis a olho nu, e Heis estendeu esse número para 35.
Crater, nas pranchas de Ignace Pardies

Na antiga Grécia, ela representava o Κάνθαρος, ou Cálice, de Apolo, mas geralmente era chamada Κρατήρ, transliterado para o título latino usado acima, embora Cícero tenha-o escrito como Cratera; enquando Manílio descreveu-a como gratus Iaccho Crater (Grata Taça de Iaco), usando destarte o nome místico e poético associado a Baco. Em manuscritos antigos, ela aparece como Creter. Os gregos também a chamavam de Κάλπη, uma Urna Cinerária; Ἀργεῖον, Ὑδρεῖον e Ὑδρία, nomes aplicados a um balde de água.
Crater, no Uranometria de Bayer

Os romanos, além disso, conheciam-na como Urna, Calix (Cálice) ou Scyphus (Xícara), e, poeticamente, como Poculum, a Copa, variadamente, de Apolo, Baco, Hércules, Aquiles, Dido, Demofoonte ou Medeia; e sua associação com esta última a leva para a longa lista de constelações associadas aos Argonautas.

Hewitt relacionou-a à Taça de Soma [ii] da Índia antiga; e Brown, com o Cálice do mito eufrateano de Ishtar-Circe,[iii] referente às palavras do profeta Jeremias:

Babilônia era um copo de ouro na mão do Senhor. [iv]

Mas qualquer conexão nesse sentido pareceria duvidosa, embora os judeus conhecessem-na como Cōs, uma copa. Hewitt também a identifica com o acadiano Mumu,[v] o filho de Tiamat; mas este título se adéqua melhor ao Corvo.
Crater, no planisfério de de la Hire

Há três ou quatro séculos, ela era conhecida na Inglaterra como Two-handed Pot (Cântaro de Duas Alças); e Smyth nos conta sobre um pequeno e antigo vaso da coleção Warwick que traz uma inscrição assim traduzida:

Wise ancients knew when Crater rose to sight,
Nile’s fertile deluge had attained its height; [vi]

embora o material da civilização egípcia não faça qualquer alusão a essa constelação.

Na antiga Arábia, ela era al-Maʿlaf, a Manjedoura, — um título que posteriormente eles atribuíram ao Presépio em Câncer; mas quando a astronomia do deserto passou a sentir a influência grega, ela se tornou al-Bāṭiyah, entre os persas Badiye, corrompido para Al Bātinah em al-Akhṣāṣī, todos significando um vasilhame de argila usado para armazenar vinho. Outro título, al-Kās, a Copa, — Alhas nas listas afonsinas, — posteriormente se tornou Alker e Elkis; mas a sugestão de Scaliger para transcrevê-lo como Alkes foi geralmente adotada, embora hoje em dia aplicada à estrela α. Essas mesmas Tábuas latinizaram-no como Patera (Pátera), e como Vas, ou Vas aquarium (Jarra de Água).
Crater (al-Bāṭiyah) no globo de Manuchihr (construído em 1632)

Os estranhos títulos Elvarad e Pharmaz usados por Riccioli têm origem desconhecida.

Na antiga China, suas estrelas mais conspícuas, com outras da Hidra, formavam o 27.o xiù, , as Asas;[vii] e nos limites atuais da constelação, recebem o nome Jù Jué, o Grande Jarro de Vinho.
Crater nas Tábuas Afonsinas


Caesius afirmou que a constelação representava a Taça de José encontrada entre os pertences de Benjamim,[viii] ou uma das Talhas de Pedra de Caná,[ix] ou o Cálice da Paixão de Cristo; outros a consideraram a Taça de Vinho de Noé,[x] mas Julius Schiller combinou algumas dessas estrelas com parte do Corvo para formar sua Arca da Aliança.

Astrologicamente, pressagiava eminência para aqueles nascidos sob sua influência.

α, 4.1, laranja.

Alkes é seu nome, desde Scaliger, mas ela também já foi chamada de Alker, e nas Tábuas Afonsinas, Alhes; todos de al-Kās, o nome da constelação. Por outro lado, no Calendarium de al-Akhṣāṣī al-Muwaqqit, ela está listada como Aoul al Batina,[xi] que recebeu a tradução latina Prima Crateris (Primeira da Taça).

Uma outra designação latina para ela — Fundus vasis (Fundo do Vaso) — descreve bem sua posição na base da Taça.

Considerando que ela foi por muito tempo a única estrela nomeada nessa constelação e que recebeu a primeira letra, pode ter sido mais brilhante uns 300 anos atrás; mas δ, uma estrela de magnitude 3.6, é atualmente a lucida.

Em al-Tizīnī, β, de magnitude 4.5, na borda sul da base da Taça, era uma das al-Sharāsīf, Costelas, — i.e. da Hidra,— e a primeira desse conjunto. Mas no Technical Memorandum 33-507 da NASA, ela é listada como Al Sharasif II.


A campanha IAU100 NameExoWorlds contemplou uma das estrelas dessa constelação: WASP-34 foi batizada pelos filipinos e recebeu o nome Amansinaya, em referência a Aman Sinaya, uma das divindades da mitologia Tagalog, que rege os oceanos e protege os pescadores; seu planeta WASP-34 b recebeu o nome Haik, que é o sucessor de Aman Sinaya como deus do mar nessa mesma mitologia.


Notas Explicativas da Tradução


[i] Excerto dos vv. 476-477 do Livro I, do Astronomicon de Manílio. Tradução de Marcelo Vieira Fernandes (in Manílio — Astronômicas: Tradução, Introdução e Notas, Dissertação de Mestrado, PPG Letras Clássicas, Universidade de São Paulo, 2006). Compare com o texto latino: “et una gratus Iaccho Crater”. Allen usou a tradução versificada feita por Thomas Creech que não corresponde estritamente ao original grego devido às demandas da versificação: “the generous Bowl / Of Bacchus flows, and chears the thirsty Pole” (A generosa Taça / de Baco verte, e saúda o polo sedento).
[ii] Soma é uma bebida ritual da cultura védica e hindu que tinha propriedades alucinógenas. Uma copa ou taça de soma é mencionada em algumas passagens de seus livros sagrados. Por exemplo, o capítulo 7 do Devi Bhagavata Purana conta como os gêmeos Aśvins beberam da taça de soma.
[iii] Robert Brown Jr. teceu diversas considerações que associam Ishtar a Circe, e a suposta origem eufrateana desta, em The myth of Kirkê, 1883, Londres: Longmans, Green & Co.. O cálice se refere àquele com líquido enfeitiçado que Circe oferece à tripulação de Odisseu. Allen usa para este objeto o termo “mixing-bowl”, que equivale a uma taça de maior capacidade onde vinho e água eram misturados.
[iv] Jeremias 51:7, na versão Almeida Corrigida Fiel.
[v] Hewitt o chama de Mummu Tiamut e lhe dá o gênero feminino. Fontes atuais apontam Mumu como uma divindade masculina. Allen também citou, neste mesmo parágrafo, uma etimologia fantasiosa que Hewitt propõe para Tiamut; optei por excluir essa citação.
[vi] Em tradução aproximada: “Antigos sábios sabiam quando a Taça estava visível, / Pois a fértil cheia do Nilo atingia seu auge”. Não fui capaz de encontrar a referência dessa citação, nem sobre o paradeiro desse pequeno vaso. Há um vaso romano associado ao Conde de Warwick, — atualmente na Coleção Burrell, em Glasgow, — porém parece ser muito grande contradizendo a citação, além de não haver qualquer menção a inscrições sobre ele.
[vii] Para Allen, trata-se do trata-se do 10.o xiù. Veja a nota [xii] em Andromeda, sobre a renumeração dos xiù. Allen inclui em seguida um parágrafo bastante especulativo, que optei por não incluir na tradução: “and the whole constellation may have been the Chinese Heavenly Dog shot at by Chang, the divinity of the 9th sieu in Leo, which also bore that god’s name”. A exclusão desse parágrafo se deve a três eventuais erros que ele contém: o Cão Celestial (Tiān Gǒu) é associado à constelação da Bússola, que se situa abaixo da Hidra, e não acima (como a Taça); além disso, o xiù que Allen denomina Chang (Zhāng, em pinyin) é traduzido como Rede Estendida, e não corresponde a uma divindade, e tampouco se situa no Leão, mas sim na Hidra.
[viii] Gênesis 44:12.
[ix] João 2:6.
[x] Gênesis 9:21
[xi] Este Calendarium, apresentado por Knobel, E. B., 1895, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 55, Issue 8, pp. 429-438, usa a transliteração Al Batina para o árabe الباطنة (mais corretamente: al-Bātinah). No nome da estrela, usei a primeira transliteração, por ter sido assim publicada em 1895. E para a constelação, em parágrafos anteriores, usei a transliteração moderna.

Nenhum comentário:

Postar um comentário