Cepheus


Cefeu se assemelha a alguém que estende ambas as mãos.[i]
Fenômenos, de Arato


CEPHEUS

Nosso Cefeu, o francês Céphée, o alemão Kepheus e o italiano Cefeo, é retratado em trajes reais, com um pé no polo e o outro no coluro solsticial, tendo a cabeça marcada por um triângulo formado pelas estrelas de 4.a magnitude δ, ε e ζ; e com γ e κ, próximas aos joelhos, formando um triângulo equilátero com Polaris. Ele é quase sempre mostrado como Arato o descreveu na epígrafe acima. Alguns veem em suas estrelas um grande K aberto para Cassiopeia, — ε, ζ, ξ, β, e κ, com ν e γ. Aquiles Tácio, do século II ou III, afirmou que esta constelação era conhecida na Caldeia vinte e três séculos antes de nossa era, quando o Rei terreno era visto nos mitos daquele país como filho de Belus,[ii] sobre o qual Plínio escreveu: Inventor hic fuit sideralis scientiae.[iii]
Cefeu, na representação de Hevelius

A figura teve nosso mesmo título entre todos os antigos astrônomos e autores clássicos, mas Germânico lhe aditou Iasides (Iásida, isto é, Descendente de Iaso) do Ἰασίδαο de Arato;[iv] Nono de Panópolis usou Ἀνήρ βασιλήϊος de sua posição real, que se tornou Vir regius (Homem Régio) e mesmo Regulus (Pequeno Rei). Outros disseram que ele era o velho Nereu e, portanto, também Senex aequoreus (Ancião Marinho), e outros estranhamente o denominaram Juvenis aequoreus (Jovem Marinho).

Cefeu, na Uranometria de Bayer

Cantans (Cantante), Sonans (Sonante) e Vociferans (Vociferante) mostram uma antiga confusão com o não tão distante Boieiro; enquanto Dominus solis (Senhor do Sol), Flammiger (Flamígero), Inflammatus (Inflamado) e Incensus (Ardente) são epítetos de fogo que não parecem apropriados para uma figura tão fraca, a menos que sejam originários da fábula de que a Mesa do Sol [v] se encontrava na Aethiopia, a terra onde Cefeu reinava quando estava na terra. Outro autor, contudo, sugeriu que eles se devem ao fato que sua cabeça é rodeada e iluminada pela Via Láctea, embora em um local totalmente vazio daquele grande círculo de luz. Isto é dito nestas linhas de Horácio:

Clarus occultum Andromedae pater
Ostendit ignem. [vi]

Cefeu é uma constelação inconspícua, mas evidentemente foi muito considerada nos primeiros tempos como o pai da Família Real, e sua história é bem conhecida na literatura grega do século V antes de Cristo. O nome Κηφεύς, comparado por Brown ao famoso Khufu da Grande Pirâmide, foi a origem de muitos títulos estranhos na transcrição arábica — inicialmente como Qīfāūs, Qīqāūs, Qanqāūs; posteriormente em Fīqāūs, Fīfāūs e Fīqāras, ou Phicares, sua designação usual na Pérsia, e Phicarus. Chilmead sugeriu que Phicares fosse um título fenício equivalente ao Flammiger, e idêntico a Πυρκᾶεύς, o que Acende o Fogo, que, transliterado como Pirchaeus, foi usado para essas estrelas. Posteriormente, na literatura astronômica, encontramos Caicans, Ceginus, Ceichius, Chegnius, Chegninus, Cheguinus e Chiphus, alguns dos quais também empregados para o Boieiro.

Os hindus de épocas mais posteriores conheciam Cefeu como Capuja, nome adotado da Grécia; embora Hewitt sustentou que entre seus ancestrais pré-históricos ele representasse Kapi, o Deus-Macaco, quando suas estrelas α e γ eram as respectivas estrelas polares de 21000 e 19000 aC.[vii]

Cefeu no Tratado das Estrelas
Fixas, de al-Ṣūfī.
 

Dunkin deriva nosso título do etíope Hyk, um Rei, mas a conexão com Aethiopia provavelmente só pode ser admitida se considerarmos que se trate da Aethiopia Asiatica,[viii] pois nosso Cefeu apresenta origem inquestionavelmente eufrateana. Não obstante, Bayer ilustrou-o com traços tipicamente africanos.

Na China, nossa constelação tradicional é atualmente conhecida como Xiān Wáng Zuò, o Eterno Imperador. Mas dentro de seus limites modernos, vários asterismos antigos podem ser encontrados, como o Wǔ Dì Nèi Zuò, os Tronos Interiores dos Cinco Imperadores.

Os astrônomos arábios traduziram Inflammatus como al-Multahib; mas os nômades conheciam Cefeu, ou pelo menos parte de suas estrelas, como al-Aghnām, as Ovelhas, e portanto associado ao suposto Curral, uma grande figura em torno do polo da qual vestígios muito perceptíveis aparecem na nomenclatura de componentes desta e de outras constelações circumpolares. Bayer especificou alguns desses, — η, θ, γ, κ, π e ρ, — como o Pastor, seu Cão e as Ovelhas; mas Smyth aludiu a Cefeu inteiro como o Cão, sendo Cassiopeia sua companheira canina. Riccioli citou de Kircher, quanto a estes, os nomes árabes “Raar, Kelds & San: nempe Pastorem, Canem, Oves[ix] mais corretamente transcrito como Rāʿī, Kalb e Shāh.

Um tradutor dos Elementos de Cronologia e Astronomia de al-Farghānī [1] chamou a constelação de al-Radif, o Seguidor, que pode ter sido motivado por algum mal-entendido pela vizinha al-Ridf na cauda do Cisne, posto que Cefeu não parece ter sido nunca conhecido por este título. O primitivo asterismo árabe Qidr, a Caçarola, era formado por um círculo de pequenas estrelas entre θ a η,[x] na mão da figura que se estende à asa do Cisne.

Cefeu, no Urania's Mirror de Sidney Hall

No lugar de Cefeu, Caesius tentou colocar o Rei Salomão, ou Zerá, o etíope, quem o Rei Asa derrotou, como contado no Segundo Livro de Crônicas, xiv, 9-12; mas Julius Schiller argumentou que ele deveria ser Santo Estêvão.

Argelander contou 88 estrelas visíveis a olho nu em Cefeu; Heis, 159.


α, 2.5, branca.

Alderamin, de Al Deraimin das Tábuas Afonsinas de 1521, originalmente era al-Dhirāʿ al-Yamīn, o Braço Direito, mas agora ela marca o ombro. Bayer escreveu “Aderaimin corrupte Alderamin”; Schickard, Adderoiaminon; Assemani, Alderal jemīn; e noutras fontes encontramos Al Derab, Al Deraf, Alredaf e Alredat. Qazwīnī mencionou-a como al-Firq, o Rebanho, mas, embora se encontre assim no globo borgiano, Ideler crê tratar-se de um erro daquele autor, pois uma estrela isolada não poderia representar um Rebanho. Ulugh Beg mais apropriadamente denominou α, β e η al-Kawākib al-Firq, os Astros do Rebanho, embora quisesse com esta palavra indicar uma Manada de Antílopes.

Na China, além de fazer parte do asterismo Tiān Gōu, a Foice Celestial, α também era conhecida pelo nome Nà Wǔ Zhū Hóu, os Cinco Vassalos Feudais Internos.

Ela será a estrela polar do ano 7500; e, curiosamente, entre ela e α Cygni jaz o polo norte celeste do planeta Marte.

β, Tripla, 3.3 e 8, branca e azul.

Alfirk é o nome oficial desta estrela, derivado do árabe al-Firq, o Rebanho, que todavia originalmente se referia à estrela α. Por vezes foi chamada de Ficares, de um dos nomes corrompidos da constelação como um todo, que também podem ter sido aplicados pelos árabes para outras de suas estrelas brilhantes.

A estrela primária é uma binária espectroscópica composta por duas estrelas de classe B separadas por 0.25″; a secundária é uma estrela A separada da primária por aproximadamente 14″.

β é o protótipo de um importante grupo de estrelas variáveis conhecidas como Beta Cephei.

γ, 3.5, amarela.

Seu nome oficial Errai, no Catálogo de Palermo, e as variantes Er Rai, Arrai e Alrai de outros catálogos, são derivadas al-Rāʿī, o Pastor, um título dos antigos árabes.

Na China, além de compor o extenso asterismo Zǐ Wēi Zuǒ Yuán, a grande Muralha Esquerda do Palácio Proibido Púrpura, era também conhecida individualmente como Shǎo Wèi, o Segundo Guarda Imperial.

γ atualmente marca o joelho esquerdo do Rei, e será a estrela polar daqui a 2600 anos.

Em 2002, um planeta foi descoberto ao redor de γ Cephei. Em 2015, durante a primeira campanha internacional NameExoWorlds, promovida pela União Astronômica Internacional, esse planeta recebeu o nome Tadmor. Inicialmente proposto pela Associação Astronômica Síria. Tadmor é o antigo nome semita e atual nome árabe da cidade de Palmyra, Patrimônio Mundial da Unesco.

δ, Dupla e Variável, 3.5 a 4.4, e 6.3, amarela e azul.

Esta é a famosa estrela que deu origem à classe de variáveis conhecidas como Cefeidas. Usualmente, ela é apenas conhecida por sua designação Bayer: Delta Cephei.

A variabilidade de δ foi descoberta em 1784 pelo jovem John Goodricke.[2] A regularidade na variação de brilho das estrelas cefeidas, aliada à existência de uma relação entre seu período e sua luminosidade, descoberta por Henrietta Leavitt em 1912, tornaram-nas objetos de grande importância na astronomia, por permitirem a estimativa de distâncias estelares mesmo para aquelas cefeidas situadas em galáxias vizinhas.

δ, ζ, λ, μ, ν e outras estrelas menores, formavam o asterismo chinês Zào Fǔ, nome de um famoso condutor de bigas de Mù Wáng, o 5.o imperador da Dinastia Zhōu, em 536 aC.

De sua vizinhança se irradia a chuva de meteoros conhecida como Delta Cefeídeos.

Ao redor de δ, ε, ζ e λ, que marcam a cabeça do Rei, há um espaço vazio junto à borda austral da Via Láctea similar aos Sacos de Carvão da Cruz do Norte e do Cruzeiro do Sul.

Na China, ε fazia parte do asterismo Téng Shé, a Serpente Alada.

η, 3.4,

Ulugh Beg relacionou-a como uma al-Kawākib al-Firq, os Astros do Rebanho, junto a α e β. Também marcava um dos extremos do primitivo asterismo árabe Qidr, a Caçarola.

Na China, era parte do asterismo Tiān Gōu, a Foice Celestial.

θ, 4.2, é por vezes aparece listada como Al Kidr, do asterismo árabe Qidr, que ela compunha com η.

κ, Dupla, 4.4 e 8.5,


integrava o asterismo chinês Tiān Zhǔ, os Pilares Celestiais.

Nas primeiras edições deste livro, κ Cephei, uma estrela dupla, 4.4 e 8.5, foi identificada erroneamente com o título chinês Shǎng Wèi, o Primeiro Guarda Imperial. Atualmente se considera que esse título indicava a estrela 43 Camelopardalis.

μ, Variável irregular, 3.4 a 5.1, cor de granada,

cerca de 5° a leste da cabeça do Cefeu, é a Garnet Star (Estrela Granada) de Sir William Herschel, assim denominada por sua cor vermelha escura que tanto impressionou o grande astrônomo. Em 1803, Piazzi incluiu-a no seu Catálogo de Palermo como Garnet sidus, mas ela foi estranhamente omitida da lista de Flamsteed, talvez devido a sua variabilidade. Esta, conjeturada por Hind em 1848, foi confirmada por Argelander.

O nome alternativo Erakis, usado por Bečvář no Atlas Coeli Skalnate Pleso, é provavelmente uma confusão com μ Draconis, que foi previamente chamada al-Rāqiṣ em árabe.

É uma das estrelas de cores mais profundas visíveis a olho nu, e a comparação com a vizinha α evidencia seu tom peculiar, que às vezes muda para laranja.

ξ, Binária, 4.5 e 7, azul.

Foi oficialmente batizada Kurhah, em 2016, pelo WGSN da União Astronômica Internacional. Ele deriva de al-Qurḥah, um termo árabe listado por Qazwīnī, que Ideler traduziu como uma mancha branca, ou brilho, na face de um cavalo; mas julgando que isso não seria propriamente um nome estelar, sugeriu que o nome original fosse al-Qiradah,[xi] um Macaco. Todavia, nisso ele parece esquecer de al-Haqʿah em Órion, de mesmo significado daquele ao qual ele se opôs. Da proposta de Ideler, surgiram ainda os nomes variantes Alkirdah e Al Kirduh.



ρ, uma estrela de 5.a magnitude, era al-Kalb al-Rāʿī, o Cão do Pastor, que guardava o Rebanho representado por α, β e η; k, h e v, com outras entre os pés e Polaris, eram al-Aghnām, as Ovelhas, aparentemente separadas do Rebanho.

Pequenos membros diversos desta constelação e da Girafa formavam o asterismo chinês Liù Jiá, os Seis Jia. Igualmente, numa interseção entre Cefeu e a Ursa Menor encontramos Gōu Chén, a Flecha Curva.

Os chineses também deram a outras de suas pequenas estrelas alguns nomes bem distintos: HD 212710 era Tiān Huáng Dà Dì, o Grande Imperador do Céu; e entre aquelas que formavam o Wǔ Dì Nèi Zuò, os Tronos Interiores dos Cinco Imperadores, HD 16458 era Nán Fāng Chì Dì, o Rei Vermelho do Sul, e HD 25007, Běi Fāng Hēi Dì, o Rei Negro do Norte.


Notas de Rodapé (do texto original)


[1] Este autor foi Abū al-ʿAbbās Aḥmad ibn Muḥammad ibn Kathīr de Fergana em Sogdiana, proeminente na astronomia do século IX e muito citado entre os séculos XVI e XVIII como Alfergan, Alferganus, Alfragani e Alfraganus. Sua obra, valiosa à sua época, foi traduzida por Jacobus Golius, e publicada após a morte deste em 1669.
[2] John Goodricke de York, Inglaterra, é ainda lembrado na astronomia do século XVIII como um diligente e bem-sucedido observador de estrelas variáveis, embora ele fosse surdo-mudo e tenha falecido muito cedo, com a idade de 22 anos.


Notas Explicativas da Tradução


[i] Excerto dos vv. 182-183, dos Fenômenos de Arato, na tradução de Filipe Klein de Oliveira (in Arato, Fenômenos. Cadernos de Tradução, 38, jan-jun, 2016, org. Bacarat Jr., J. C., Porto Alegre: Instituto de Letras da UFRGS). Allen usou a tradução versificada por Brown Jr.: “Kepheus is like one who stretches forth both hands”. No original grego: “Κηφεὺς ἀμφοτέρας χεῖρας τανύοντι ἐοικώς”.
[ii] Belus é um dos nomes de Bel Marduque, por vezes Zeus, na Babilônia.
[iii]Este foi o inventor da ciência astronômica”. A frase latina se encontra no capítulo XXX do Livro VI do Naturalis Historia de Plínio.
[iv] Referência ao v. 179, dos Fenômenos de Arato, na tradução de Filipe Klein de Oliveira (in Arato, Fenômenos. Cadernos de Tradução, 38, jan-jun, 2016, org. Bacarat Jr., J. C., Porto Alegre: Instituto de Letras da UFRGS): “Certamente, a infeliz família de Cefeu, filho de Jásida”. No original grego: “Οὐδ᾽ ἄρα Κηφῆος μογερὸν γένος Ἰασίδαο”.
[v] A Mesa do Sol é mencionada na História de Heródoto, segundo o qual nas cercanias da capital dos Etíopes existiria um prado que em determinada época aparecia forrado de carne cozida de todas as espécies de animais quadrúpedes, das quais qualquer um poderia se servir com o que lhe apetecesse.
[vi] Excerto dos vv. 17-18 da Ode XXIV, Livro III das Odes de Horácio. Na tradução de Elpino Duriense: “Já de Andrômeda o claro pai amostra / O fogo occulto”.
[vii] Esta afirmação soa completamente fantasiosa, especialmente considerando o tempo pregresso (19 a 21 mil anos antes de Cristo), do qual não há nenhum registro da cultura hindu.
[viii] É uma referência à Aethiopia oriental de Homero. Veja a nota [viii] em Constelações, Parte II.
[ix] Em tradução aproximada: “Raar, Kelds & San: a saber, Pastor, Cão, Ovelhas”.
[x] Aqui Allen informa que o asterismo Qidr se situava entre ζ e η; porém ζ não se encontra junto à mão do Cefeu ou perto de η. Mesmo adiante, Allen se desmente e associa Qidr a θ a η. De fato, θ está no mesmo braço de Cefeu em que temos η. Disso concluo que sua primeira afirmação, de que Qidr se situava entre ζ e η estava errada, que se trata de θ e η.
[xi] Ideler supôs que ألقردة (al-Qiradah) tenha sido confundido com القرحة (al-Qurḥah) pela troca entre as letras د e ح cursivas em posição medial na palavra.

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