Auriga


Afrouxaste os pescoços dos teus cavalos e açoitava os seus flancos
À corrida de um curso que não conhecemos por trilhas que estão escondidas de nossa vista.
Como um vento através da escuridão, as rodas de sua carruagem são giradas,
E a luz da sua passagem é noite na face do mundo. [i]
Erechtheus, de Algernon Charles Swinburne.


AURIGA

É conhecida entre nós como o Cocheiro, Charreteiro ou mesmo Auriga, palavra de origem latina que bem representa seu ofício de condutor de biga ou carruagem. Os anglofalantes denominam-no Charioteer ou Wagoner, mas nos primórdios era chamada de Wainman (Carruageiro ou Carroceiro). Corresponde ao italiano Cocchiere, ao francês Cocher e ao alemão Fuhrmann.

Auriga, nas pranchas de Hevelius
É uma grande constelação que se estende para o norte através da Via Láctea desde sua estrela γ, a qual também marca um dos chifres do Touro, até aos pés da Girafa, por cerca de 30° na direção norte–sul e 40° na leste–oeste; e é representada por um jovem que traz um chicote à mão direita, mas sem uma carruagem, tendo a Cabra apoiada contra seu ombro esquerdo e os Cabritos junto ao pulso. Esta, com algumas variações, tem sido sua representação figurativa desde os primeiros dias, quando, tanto como agora, era importante, principalmente pela beleza de Capella e suas estrelas acompanhantes tão proeminentes a noroeste durante o crepúsculo da primavera e a nordeste no início do outono. Mas o Hyginus de 1488 [ii] mostra um Condutor muito absurdo num carro de quatro rodas ridiculamente inadequado, tendo a Cabra e os Cabritos em sua posição habitual, enquanto as rédeas estão atadas a quatro animais — um jugo de bois, um cavalo e uma zebra (!); enquanto o Hyginus de Micyllus,[iii] de 1535, traz o Condutor numa carroça de duas rodas com um par de cavalos e um jugo de bois, todos emparelhados. Um planisfério turco mostra essas estrelas retratadas como uma Mula, e elas eram vistas desta forma pelos primeiros árabes, que desconheciam — em todo o caso, não representavam — o Condutor, a Cabra ou os Cabritos. Nesta forma Bayer latinizou-a como Mulus clitellatus, a Mula com Cestos de Carga.

Auriga, no Hyginus de 1488
Ideler considerava que a figura original fosse composta pelas cinco estrelas α, β, ε, ζ e η; o Condutor, representado por α, de pé numa antiga Carruagem inclinada marcada por β, enquanto as demais estrelas marcariam as rédeas. Mas posteriormente a Carruagem teria sido abandonada e as rédeas foram deslocadas para a posição atual, sendo a Cabra adicionada por um mal-entendido: a palavra Ἄιξ, análoga a Ἀιγίς,[iv] significava simplesmente um Vento Tempestuoso que, aparentemente, nos tempos antigos as estrelas α, η e ζ prognosticavam em seu nascer helíaco, ou por seu desaparecimento nas névoas. E posteriormente a α ser tomada como a Cabra, as próximas η e ζ foram tomadas como os Cabritos, seu filhotes, os Ἔριφοι, — uma adição que Higino afirmou ter sido feita por Cleóstrato.

Mas os resultados da pesquisa moderna atualmente nos fazem crer que a constelação se originou no Eufrates praticamente da mesma forma como a consideramos, e que certamente era uma figura celeste bem estabelecida lá milênios atrás. Uma escultura de Nimrud é uma representação quase exata do Condutor com a Cabra carregada no braço esquerdo; enquanto nos tempos greco-babilônicos, a constelação Rukubi, a Carruagem, jazia no céu quase coincidente com nosso Cocheiro, ao que parece correndo para o Touro.

Ἑνίοχος, o Que Segura as Rédeas, foi transcrito como Heniochus por autores romanos, e personificado por Germânico e outros como Erechtheus (Erecteu), ou mais apropriadamente como Erichthonius (Erictônio), filho de Vulcano e Minerva, o qual, tendo herdado a deformidade de seu pai, julgou necessário a criação de algum meio de fácil locomoção. Isto foi realizado por sua invenção da quadriga que não só assegurou sua posição régia como o 4.o dos antigos reis legendários de Atenas, como garantiu-lhe um lugar no céu. Manílio assim narrou a história:

Então, levando o pé para junto do Touro, que se curva, vem
o Cocheiro, que com seu empenho conquistou o céu e o nome.
Vendo que ele era o primeiro a disparar num alto
carro de quatro cavalos, Júpiter o consagrou ao céu. [v]

Virgílio tinha algo similar na 3.a Geórgica. [vi]

Esses nomes aparecem até o século XVII, em Bullialdus, Longomontanus e Riccioli, embora escrito como Erichtonius por este último.

Auriga, no Urania's Mirror
Outros viram aí Mírtilo, o auriga de Enômao, que traiu seu mestre e auxiliou Pélope; ou Cilo, o escudeiro e auriga deste; Peletrônio, um tessálio reputado como o inventor da brida e da sela para cavalos; e Trethon;[vii] enquanto Eurípides e Pausânias identificaram-no com o desafortunado Hipólito, o José hebraico da literatura clássica.[viii] Títulos adicionais na Grécia eram Ἁρμελάτης, Διφρηλάτης, Ἱππηλάτης e Ἐλάσιππος, todos com o significado de Cocheiro ou Charreteiro; por outro lado, dos nomes usados por Lalande, Bellerophon (Belerofonte) e Phaëton (Faetonte) são suficientemente adequados, e seu Trochylus (Tróquilo) bem poderia ser, se a palavra derivasse de τροχᾶλός, corrida; mas seu Absyrthe (Apsirto), mais corretamente Ἄψυρτος, o jovem irmão de Medeia, é incompreensível.

Embora Auriga fosse o nome usual entre os romanos, seus poetas o chamaram como Aurigator; Agitator currus retinens habenas (Condutor de carro que segura as rédeas); Habenifer e Tenens habenas, ambas as palavras tendo o significado de “aquele que segura as rédeas”. Alguns desses títulos chegaram até às Tábuas e Almagestos do século XVI. Arator, o Lavrador, aparece em Nigídio e Varrão associado a este, ou ao Boieiro; de fato, a mesma ideia ainda persiste entre alguns camponeses teutões, entre os quais Capella e os Cabritos são conhecidos como o Lavrador com seus Bois. Grimm menciona para o grupo o nome Voluyara, como estrelas que os lavradores conhecem.[ix] O Acator ocasionalmente encontrado pode ser um erro de impressão de Arator.


Da Cabra e seus Cabritos vieram Custos caprarum (Guardião das Cabras), Habens capellas, Habens haedos e Habens hircum, essas três últimas significando “o que possui cabras ou cabritos”. Habens oleniam capram (O que Possui a Cabra Olênia) e Oleniae sidus pluviale Capellae (Constelação Chuvosa da Cabrinha Olênia) das Metamorfoses de Ovídio vêm da Ὠλενίνην de Arato, que se supõe derivar de ὠλένη, o cotovelo ou mais apropriadamente o antebraço, sobre os quais os Cabritos se deitam. Outros, contudo, apontam ser mais provável que a palavra referencie a Oleno, nome do pai e do local de nascimento da ninfa Amalteia — a cabra que amamentou Zeus —, na antiga Etólia. [x]
 
Auriga, no Celestial Atlas de Alexander Jamieson (1822)

Isidoro de Híspalis[1] — Santo Isidoro — chamava-a de Mavors, o termo poético para Marte, pai de Rômulo e assim deus dos pastores; Nonius, o português Pedro Nunes do século XVI, similarmente usou Mafurtius; e Bayer encontrou para ela Maforte; mas seu Ophiultus, provavelmente uma palavra do baixo latim também aplicada a α, não parece ter explicação.

Auriga, no Atlas coelestis
seu Armonia Macrocosmica

de Cellarius
Alguns supuseram que Auriga fosse Hórus entre os egípcios; mas Scaliger afirma que o Hora encontrado nas traduções do Τετράβιβλος de Ptolomeu deveria ser Roha — em Bayer, Roh —, um Vagoneiro; Beigel, contudo, considerou-a um erro tipográfico de Lora, as Rédeas. [xi]

Os termos bárbaros Alhaior, Alhaiot, Althaiot, Alhaiset, Alhatod, Alhajot, Alhajoth, Alhojet, Alanac, Alanat e Alioc, — mesmo estes talvez não esgotem a lista, — usados tanto para a constelação quanto para a lúcida, são provavelmente formas degeneradas das palavras árabes al-ʿAnz e al-ʿAyyūq, especialmente aplicadas a Capella como a Cabra, a qual eles figuravam como o íbex do deserto, o Badan deles; e Ideler julgava que esta pode ter sido a primeira designação árabe para a estrela.

O Almagesto de 1515 contém “et nominator latine antarii (...) id est collarium”, — este Collarium talvez se refira à gola no arnês do Cocheiro; mas o Antarii quebrou a cabeça de muitos, embora o Professor Young tenha sugerido que possam ser as rédeas que divergem da mão do Condutor como tirantes, o significado da palavra tal como usada por Vitrúvio em sua descrição de uma máquina de tração. [xii]

Os árabes traduziram os títulos clássicos associados ao seu ato de segurar as rédeas como al-Dhū al-ʿInān, al-Māsik al-ʿInān e al-Mumsik al-ʿInān,[xiii] — o Mumassich Alhanam de Chilmead; mas o rabino Abenezra [2] confundiu as coisas ao chamar a figura de Pastor in cujus manu est frenum (em cuja mão está uma brida).

Três representações árabes de Auriga no Descrição das Estrelas Fixas, de al-Ṣūfī. As representações diferem ligeiramente por serem obra de copistas distintos. Note que a representação árabe só considera o Condutor, sem referência às Cabras.

Alguns ilustraram-no como São Jerônimo, mas Caesius assemelhou-o a Jacó que enganou seu pai com a carne de seus cabritos; e Seiss afirma que esta constelação representava o Bom Pastor, que deu a sua vida pelas ovelhas.[xiv] Um Carro e uma Cabra são mostrados em moedas da Roma consular, e uma cabra isolada naquelas de Paros, que podem ser referências a esta constelação.

Argelander contou 70 estrelas visíveis a olho nu nela, e Heis, 144.



e se chegou a ti o rumor da própria Cabra
ou das Crias, que muitas vezes observaram
os homens dispersos no mar revolto, [xv]
Fenômenos, de Arato.

α, 0.3, branca.

Esta tem sido conhecida como Capella, a Pequena Cabra, pelo menos desde os tempos de Manílio, Ovídio e Plínio, todos os quais seguiram o Κινῆσαι Χειμῶνας de Arato ao descrevê-la como Signum pluviale bem como suas acompanhantes, os Haedi (Cabritos), assim confirmando sua reputação tempestuosa através da era clássica. Assim, Holland traduziu as palavras de Plínio como rainy Goat-starre (Estrela Chuvosa da Cabra).[xvi] Mas Plínio e Manílio tratavam-na como uma constelação por si só, também chamando-a como Capra, Caper, Hircus, e por outros títulos hircinos.

Nossa palavra é o diminutivo de Capra, algumas vezes erroneamente escrita Crepa. Também foi chamada de Olenia, Olenie, Capra Olenie;[xvii] daí o Olenium Astrum na Tebaida de Estácio.[xviii] Nos dias atuais, ela é a Cabrilla entre os espanhóis e a Chevre na França. No Brasil, vez por outra usa-se Estrela da Cabra para designá-la.

Amalthea (Amalteia) vem do nome da cabra cretense, a ama de Júpiter e mãe dos Haedi, os quais ela deixou de lado para acomodar seu filho adotivo, e pelo que Manílio escreveu:

Nobre por ter nutrido o senhor do mundo, a Cabra,
de cujas mamas ele ascendeu ao grande Olimpo, medrando
com o leite animal até chegar ao poder dos raios e trovões.
Por isso Júpiter a consagrou com razão entre os astros eternos e,
como recompensa ao céu, deu-lhe em paga o próprio céu. [xix]

Disto vem o ocasional Jovis Nutrix (Ama de Júpiter).

Auriga, nas pranchas de Bode
Mas, de acordo com uma versão mais antiga, a ama foi a ninfa Amalteia, a qual, com sua irmã Melissa, alimentou o deus criança com leite de cabra e mel no monte Ida; e por vezes a ninfa Ega toma o lugar de uma das (ou ambas) antecedentes, ou Adrasteia, com sua irmã Ida, todas filhas do rei cretense Melisseu. Outros afirmaram que a estrela representava o chifre da Cabra quebrado pelo pequeno Jove a brincar e transferido para os céus como Cornu copiae, a Cornucópia ou Chifre da Abundância, um título relembrado pelo lituano Nešėja Valgio (Portador de Alimentos).[xx] Daí ela era o Ἀμαλθείας κέρας (Corno de Amalteia), que também entrou absurdamente na Septuaginta como tradução para Keren-happuch, o Chifre de Pintura ou Chifre de Antimônio, do Livro de Jó 42:14, — o Cornu stibii da Vulgata.[xxi] O Ἄιξ de Ptolomeu provavelmente tornou-se o árabo-grego Ἀιοὺκ do códice greco-persa de Chrysococcas, e o ʿAyyūq, Alhajoc, Alhajoth, Alathod, Alkatod, Alatudo, Atud, etc., que ela compartilhava com a constelação; mas Ideler julgava que ʿAyyūq fosse um nome autóctone dos árabes para essa estrela. O Alcabelah [xxii] de Assemani parece ser a transcrição arábica de Capella. Os tírios a chamavam de ʿIyūthā, também usado para Aldebaran e talvez outras estrelas; mas os rabinos adotaram o árabe ʿAyyūq' como título para sua Cabra celestial, embora eles discordassem bastante acerca de sua localização, colocando-a em locais tão diversos como o Cocheiro, Touro, Áries e Órion. Contudo, diz Arato, “ao seu ombro esquerdo, a Cabra sagrada” era assim vista pelos sacerdotes de Zeus,[xxiii] o que parece colocá-la indubitavelmente onde atualmente a reconhecemos. Hyde dedicou três páginas de erudita crítica a este importante (!) assunto, mas insistiu que a palavra árabe e hebraica ʿĀsh designava esta estrela.[xxiv]

Com ζ e η, os Cabritos (ou Filhotes), ela formava o grupo que Qazwīnī conhecia como al-ʿInāz,[xxv] as Cabras, e outros como al-ʿAnz, no singular.

Os primitivos árabes chamavam-na al-Rākib, o Dirigente ou Piloto; pois, estando situada muito ao norte, era proeminente no céu noturno antes que outras estrelas se tornassem visíveis, e assim aparentemente as guardava; e pelo sinônimo al-Ḥādī [xxvi] das Plêiades, já que, no paralelo da Arábia, ela nascia juntamente com esse aglomerado. Wetzstein, o comentarista bíblico frequentemente citado por Delitzsch, explica este termo como o cameleiro “que canta à frente da caravana, instigando e encorajando os camelos pelo som da hadwa”, sendo as Plêiades representadas por uma cáfila. Um antigo poeta árabe aludiu a este Ḥādī como o árbitro do jogo Maisir, que se senta atrás dos jogadores, as outras estrelas.[xxvii]

O nome Ophiultus usado por Bayer para esta estrela atualmente parece ininteligível.

O local correspondente a Capella no zodíaco de Dendera é ocupado por um gato mumificado na mão estentida duma figura masculina coroada com penas; por outro lado, além de ter sido sempre uma importante estrela no culto do grande deus egípcio Ptá (também escrito como Ptah), o Abridor, supõe-se que tenha compartilhado o nome dessa divindade e provavelmente tinha o poente regularmente observado por volta de 1700 aC de seu templo, o notável edifício em Karnak, perto de Tebas, a Nô-Amom dos livros dos profetas Jeremias e Naum.[xxviii] Outro santuário de Ptá recentemente descoberto em Mênfis também foi orientado para ela cerca de 5200 aC. Lockyer acredita que pelo menos cinco templos egípcios foram construídos orientados para seu poente.

Ela também serviu ao mesmo propósito de adoração na Grécia, onde pode ter sido o ponto de orientação de um templo em Elêusis dedicado à Ártemis Propileia;[xxix] e de outro em Atenas.

Na Índia ela também era sagrada como Brahma Hṛdaya, o Coração de Brahma; e Hewitt considera Capella, ou Arcturus, o Āryaman, ou Airyaman, do Rig Veda.

Os chineses tinham aqui um asterismo, formado por Capella, β, θ, κ e γ, Wǔ Chē, os Cinco Carros de Guerra — uma singular similaridade com o título de nosso Cocheiro; conquanto Edkins afirme que deveria ser os Carros dos Cinco Imperadores.

Acredita-se que o acadiano Dil-gan I-ku, o Mensageiro da Luz, ou Dil-gan Babili, a Estrela Padroeira da Babilônia, fosse Capella, conhecida na Assíria como I-ku, o Líder, i.e. do ano; pois, de acordo com Sayce, na época acadiana o começo do ano era determinado pela posição desta estrela com respeito à Lua no equinócio vernal. Isso foi anterior a 1730 aC, quando, durante os 2150 anos precedentes, a primavera começava pelo ingresso do sol na constelação de Touro; neste contexto, a estrela era conhecida como a Estrela de Marduque, mas após essa data, alguns desses títulos foram aparentemente aplicados a Hamal, Vega e outras, cujas posições quanto a esse ponto inicial mudaram devido à precessão. Uma inscrição cuneiforme, supostamente referente à nossa Capella, é transcrita por Jensen como Askar, o Deus da Tempestade; e a Tabuinha das Trinta Estrelas [xxx] traz o sinônimo Ma-a-tu; tudo isso explica bastante sua importância subsequente nos tempos clássicos e é uma das muitas evidências que exemplificam a origem da astronomia constelacional grega no vale do Eufrates.

Os antigos peruanos, os Quechuas, cujo idioma ainda é falado por seus descendentes, parecem ter devotado muita atenção às estrelas. José de Acosta, o jesuíta espanhol e naturalista do século XVI, afirmou que cada pássaro e animal na Terra tinha seu homônimo no céu deles. Ele citou diversos de seus títulos estelares, identificando esta estrela com Colca, que é singularmente importante entre seus pastores, como Capella era entre os de mesma classe no Mediterrâneo nos dias antigos; a rigor, também em épocas posteriores, pois poetas ingleses aplicam-lhe o nome Shepherd’s Star, embora mais comumente o usassem para o planeta Vênus. Da mesma forma encontramos a referência à cabra no Perkūno Ožka (Cabra do Trovão) dos primitivos bálticos.

Mas ela também teve outras representações míticas. E três lendas que lhe foram associadas cativam pela beleza poética: no folclore eslavo-macedônio, ela era Jastreb, o Falcão, que voa altaneiro e está pronto para caçar a Galinha (Plêiades) e o Galo (β Tauri); no Taiti, Capella era Tahi-ari'i, mãe do príncipe Ta'urua (Vênus) que navegava com sua canoa através do céu; e entre os Boorong de Victoria, Capella era Purra, o Canguru, caçado e morto por Yurree (Castor) e Wanjel (Pollux).

Na astrologia, Capella pressagiava honras militares e civis, além de riqueza.

Tennyson, em algumas belas linhas de seu Maud, menciona-a como “uma coroa gloriosa”.[xxxi]

Antes do advento de detetores fotoelétricos, sua cor foi muito discutida, pois não havia consenso nas estimativas meramente visuais de alguns astrônomos; Smyth a considerou branca; o Prof. Young, amarela; e outros disseram ser azul ou vermelha, sendo esta última a cor mencionada por Ptolomeu, al-Farghānī e Riccioli; enquanto aqueles cujos olhos são especialmente sensíveis a esse tom ainda o encontram.[xxxii]

Capella talvez tenha aumentado de brilho no século XIX.[xxxiii] Sua paralaxe vale 0".079, que indica uma distância ao nosso sistema solar de 43 anos-luz. Sua luminosidade é quase 80 vezes maior que a do Sol. Seu espectro é de tipo solar,[3] embora seja uma estrela gigante. Ela se afasta de nosso sistema com uma velocidade de aproximadamente 40 km/s.

β, 2.1, amarelada.

Menkalinan, seu nome oficial, e as variantes Menkalinam e Menkalina vêm de Mankib dhī-l-ʿInān, o Ombro do Portador das Rédeas, que ela marca, com o coluro solsticial passando-lhe 2° para leste; a própria estrela situa-se 10° a leste de Capella. É uma estrela binária espectroscópica eclipsante, que se aproxima do Sol com velocidade de aproximadamente 18 km/s; as duas estrelas praticamente idênticas que compõem o par estão separadas por somente 172 vezes a distância entre a Terra e o Sol, e revolucionam com um período de 3.96 dias e uma velocidade relativa em torno de 240 km/s. Esta descoberta foi feita por Pickering a partir de observações espectroscópicas em 1889. As linhas de seu espectro dobram-se e desdobram-se a cada dois dias.

γ, 2.1, branca brilhante,

era al-Kaʿb dhī-l-ʿInān, o Calcanhar do Portador das Rédeas, na astronomia arábia, destarte mostrando sua localização na figura do Cocheiro. Desde os primeiros dias da astronomia descritiva, ela também era a estrela Elnath, a β do Touro na extremidade do chifre direito, e Arato assim a representa. Vitrúvio, contudo, escreveu que ela era a Aurigae Manus, pois o Condutor supostamente a seguraria em sua mão, o que implicaria em um desenho muito diferente daquele usado em Roma, Grécia e nos dias atuais; já o abade Hell, em 1769, corretamente usou esta expressão para a estrela θ. Os astrônomos arábios posteriores também a posicionaram no Touro, designando-a al-Qarn al-Thaur al-Shamāliyyah, o Chifre Setentrional do Touro; mas Qazwīnī aderiu ao Cocheiro ao fornecer “as duas do quadril” como al-Tawābiʿ al-ʿAyyūq, as Aias da Cabra, que Ideler identificou como γ e ι.

δ, 4.1, amarela,

jaz na cabeça do Cocheiro. Ela não recebeu um nome entre nós, mas, ainda que inconspícua, foi nomeada pelos hindus como Prajāpati, o Senhor da Criação, um título que muito apropriadamente também era dado a Órion e ao Corvo. O Sūrya Siddhānta devota considerável espaço a ela; “mas por que uma estrela tão débil e inconspícua estaria entre aquelas às quais os astrônomos hindus prestavam atenção particular não é fácil de entender”.[xxxiv]

Os chineses a incluíram, juntamente com ξ, h, k, i e outras estrelas próximas a Cassiopeia e Girafa, em seu asterismo Bā Gǔ, os Oito Cereais.

ε, variável, 3 a 4.5.

Seu nome é Almaaz, do árabe al-Māʿz (o Bode), adotado pelo WGSN da União Astronômica Internacional em 2016. Mas este nome só recentemente entrou em nossas listas modernas, pois foi Hyde quem o registrou durante sua tradução dos comentários ao catálogo de Ulugh Beg; mas Qazwīnī a conhecia pelo título geral al-ʿAnz, embora ela não estivesse em seu al-ʿInāz, o grupo de Cabras, — α, ζ e η. Algumas listas modernas a incluem entre os Cabritos.

Sua variabilidade, de período irregular, foi inicialmente relatada por Fritsch em 1821, confirmada por Schmidt em 1843, e independentemente redescoberta por Heis em 1847. ε fica a cerca de 5° a sudoeste de Capella.

ζ e η, 4 e 3.5,

Compõem os Ἔριφοι ou Cabritos, de Hiparco e Ptolomeu, os Haedi dos romanos, que chegou a ser considerada por Plínio uma constelação separada.

O poeta Calímaco, 240 aC, escreveu num epigrama da Antologia:

Ó nauta, com o mar não se defronte,
Se os Cabritos descem ao horizonte;[xxxv]

Virgílio, recomendando nas Geórgicas sua observação a seus conterrâneos fazendeiros, fez especial referência ao dies Haedorum,[xxxvi] e como Horácio e Manílio chamou-as pluviales, sendo deste último os versos

Abaixo dele seguem os Cabritos,
que com seu brilho fecham o mar à navegação. [xxxvii]

No famoso afresco zodiacal da Sala del Mappamondo, em
Villa Farnese, do começo do século XVI, os Cabritos
estranhamente não foram representados, e as estrelas
correspondentes marcam o pé do Condutor. A Cabra pode ser
vista, mas a estrela Capella mal é abrangida por ela.
Da mesma forma, Horácio as conhecia como horrida et insana sidera e insana Caprae sidera; e Ovídio, como nimbosi, chuvosas. Assim, elas compartilhavam a má reputação que Capella tinha entre os homens do mar, e eram tão temidas como pressagiadoras da estação tempestuosa no Mediterrâneo, que seu nascer no começo da noite do início de outubro era o sinal para a interrupção da navegação. Todos os autores clássicos que mencionam estas estrelas aludiram a tal influência medonha, e um festival, o Natalis navigationis, era realizado quando os dias dessa influência terminavam.[xxxviii] Propércio escreveu sobre elas, no singular, como Haedus; Albuxar de Bactro, como Agni, os Cordeiros; os arábios as conheciam como al-Jadyāin, os Dois Jovens Bodes; e Bayer, no plural, como Capellae.

 ζ aparece na edição original das Tábuas Afonsinas como Sadatoni; mas nas posteriores, bem como no Almagesto de 1515, como Saclateni: ambos estranhamente deturpados, tanto de seja de al-Dhāt al-ʿInān, Portador das Rédeas, ou mais provavelmente de al-Sāʿid al-Thānī, o Segundo Braço, por alguma confusão com a estrela β que aí se localiza; ou porque ela mesma se situava em tal parte numa concepção antiga da figura.

Em 2016, o WGSN da União Astronômica Internacional decidiu oficializar seus nomes como Saclateni e Haedus para, respectivamente, ζ e η. Antes disso, ainda era comum encontrá-las com os nomes informais Haedus I (ζ) e Haedus II (η), que agora devem ser desusados.

Na China, o asterismo Zhù, Colunas, era formado por ζ, η, ε, ν, τ , υ, χ e 26 Aurigae. Alguns também incluem φ neste asterismo, mas dele excluem justamente ζ, η e ε.

θ, 2.7,

não chegou a ter um nome próprio em épocas antigas, mas atualmente é Mahasim, adotado pelo WGSN da União Astronômica Internacional em 2017, uma das muitas corruptelas do árabe al-Miʿṣam, o Pulso, nome que ela parece ter partilhado com η Aurigae e λ Herculis.

ι, 3.1,

era a al-Kaʿb dhī-l-ʿInān de al-Tizīnī, denominação que outros autores atribuíram a γ; em dado momento abreviado para Alkab, nome pelo qual ela chegou a ser registrada no Treatise on the Astrolabe de Chaucer. Já Qazwīnī a incluía juntamente com γ em sua al-Tawābiʿ al-ʿAyyūq.

Seu nome oficial é Hassaleh, de etimologia desconhecida, adotado pelo WGSN da União Astronômica Internacional em 2017. O primeiro registro dessa palavra parece ter sido o Atlas Coeli Skalnate Pleso, compilado em 1951 por Antonín Bečvář.

λ, dupla, 5 e 9½, amarelo pálido e cor de ameixa; μ, 5.1 ; e σ, 5.3,

no centro da figura, eram a al-Ḥibāʿ, a Tenda, de Qazwīnī; mas ele tinha outras tais em Aquário, no Cruzeiro do Sul e no Corvo, pois isso naturalmente era um símile favorito aos árabes.

Por conta disso, no catálogo compilado em 1971 por Jack Rhoads para o JPL/NASA, λ, μ e σ foram chamadas, respectivamente, Al Ḥibāʿ I, Al Ḥibāʿ II e Al Ḥibāʿ III.

λ deve ser também a estrela nomeada al-Ḥurr no globo do Museu Borgiano.[xxxix]

μ, σ, φ e quatro outras estrelas mais débeis formavam o asterismo chinês Tiān Huáng, o Lago Celestial. Algumas fontes também incluem nesse asterismo a estrela ρ, a qual todavia formava outro asterismo, Xián Chí, o Fosso da Harmonia, com λ e outra estrela mais fraca.[xl]

Já a estrela κ era a principal dentre as cinco que formavam o asterismo chinês Jǐng, o Poço.

2° a sul de χ, em 24 de janeiro de 1892, um astrônomo amador, o reverendo Thomas D. Anderson de Edinburgo, descobriu com binóculos de teatro uma nova amarelada de 5.a magnitude, atualmente conhecida como T Aurigae, que despertou enorme interesse na comunidade astronômica pelo aspecto de seu espectro. Após a descoberta óptica, ela foi identificada numa placa fotográfica obtida em 10 de dezembro do ano anterior, mas não numa outra tomada dois dias antes, indicando assim seu aparecimento entre essas duas datas. Outras fotografias mostraram que seu máximo, 4.4, ocorrera em torno do dia 20. Sua erupção, no entanto, supostamente ocorreu há pelo menos uma centena, talvez centenas, de anos, tão grande é a distância ao nosso sistema. Tornou-se invisível por volta do final de abril de 1892, mas foi redescoberta no Monte Hamilton em 19 de agosto como uma nebulosa planetária, a segunda instância na história da observação astronômica de tal mudança de estado, tendo a nova Cygni de 1877 sido a primeira. Ainda era visível em 1895, e seu espectro permanecia distintamente nebular.

A série de estrelas ψ1 a ψ10, estrelas de 5.a magnitude, eram os Βουπλήγες,[xli] ou Aguilhada, o latim Dolones, que Tibulo chamou de Stimulus. Bayer disse sobre elas: decem stellulae flagellum constituentes (dez estrelinhas formam o chicote). Como representado por Dürer, elas são as diversas correias do chicote nas mãos do Cocheiro. Já na China, elas formavam o asterismo Zuò Qí, a Base de Estandartes.


Notas de Rodapé (do texto original)


[1] A antiga Híspalis, modernamente Sevilha, foi o sítio do primeiro observatório europeu de nossa era, erigido pelo mouro Geber em 1196. [Nota do Tradutor: Geber é o nome latinizado de Mūsā Jābir ibn Hayyān (721-815 dC), erudito persa considerado o Pai da Química pelos europeus.]
[2] Este célebre homem, frequentemente citado em épocas atrás como Abenare, Avenore, Evenare, foi Abraham ben Meir ben Ezra de Toledo, o grande comentarista hebreu do século XII, astrônomo, matemático, filólogo, poeta e erudito, e o primeiro notável resenhista bíblico.
[3] O tipo solar é uma das classes do esquema proposto pelo padre Angelo Secchi, que foi diretor do Observatório da Pontifícia Universidade Gregoriana. [Nota do Tradutor: Ângelo Secchi propôs o primeiro esquema de classificação espectroscópica estelar que envolvia 5 tipos, um dos quais era o “tipo solar”. Atualmente as estrelas desse tipo são classificadas como F, G e K. Curiosamente, um provável reflexo dessa antiga classificação é o uso do jargão estrelas FGK entre astrônomos para representar estrelas com massa próxima à do Sol.]


Notas Explicativas da Tradução


[i] Tradução não versificada nossa de excerto do poema Erichtheus, de Swinburne. No original: “Thou hast loosened the necks of thine horses, and goaded their flanks with affright, / To the race of a course that we know not on ways that are hid from our sight. / As a wind through the darkness the wheels of their chariot are whirled, / And the light of its passage is night on the face of the world”.
[ii] Trata-se do Poeticon Astronomicon, obra de Higino, republicada em Veneza em 1488.
[iii] Trata-se do Poeticon Astronomicon, republicado na Basileia por Jakob Mycillus em 1535.
[iv] Ἄιξ significa cabra; já Ἀιγίς significa a pele da cabra usada como vestimenta, especialmente aquela usada na Égide (o escudo de Atena), mas também pode significar um vento muito forte ou furacão. É este último significado que Ideler usa para interpretar a inclusão da Cabra junto ao Condutor.
[v] Versos 414-417 do Livro I do Astronomicon de Manílio. Tradução de Marcelo Vieira Fernandes (in Manílio — Astronômicas: Tradução, Introdução e Notas, Dissertação de Mestrado, PPG Letras Clássicas, Universidade de São Paulo, 2006). Compare com o texto latino: “Tum vicina ferens nixo vestigia Tauro / Heniochus, studio mundumque et nomen adeptus, / quem primum curru volitantem Iuppiter alto / quadriiugis conspexit equis caeloque sacravit”. Allen usou a tradução feita por Thomas Creech: “Near the bent Bull a Seat the Driver claims, / Whose skill conferr’d his Honour and his Names. / His Art great Jove admir’d, when first he drove / His rattling Carr, and fix’t the Youth above”.
[vi] Referência aos vv. 113-114 do Livro III das Geórgicas. No original: “primus Ericthonius currus et quattuor ausus / iungere equos rapidusque rotis insistere uictor”. Em tradução aproximada: “Erictônio foi quem primeiro se atreveu a unir quatro cavalos para sua carruagem e ficar acima das rodas rápidas, vitorioso”.
[vii] Só encontrei uma única referência ao nome Trethon, segundo a qual ele seria um antigo rei de Atenas: “The famous horseman, Trethon, King of Athens, was the first man who drove four horses abreast, and as a reward Jupiter put him amongst the constellations” (in Astronomy, Jean Rambosson, 1878, Londres: Chatto & Windus, pg. 275). Provavelmente é um nome variante para o mesmo personagem mítico Erectônio, mesmo porque o nome Trethon não figura nas listas antigos reis de Atenas.
[viii] Tanto Hipólito quanto José rejeitam as tentativas de sedução por parte de uma mulher (respectivamente, Fedra e a esposa de Potifar) mas são injustamente acusados de terem dela abusado.
[ix] Grimm é bem sucinto acerca dessa afirmação: “Similar to the Lith. name for the Kids, viz. ‘ploughman and oxen’ is the Serv. voluyara (fr. vol, ox ?), a star that ploughmen know, for when it rises they look out for their oxen” (in Teutonic Mythology, vol. 4, J. Grimm, 1888, Londres: George Bell & Sons, pp. 1509-1510). O livro não provê uma lista de abreviaturas, mas do excerto é possível supor que voluyara seria um termo sérvio. A abreviatura “fr.” do excerto provavelmente é um erro de impressão. Creio que deva ser lida como “cr.” ou “hr.”, isto é, croata, pois neste idioma vol (em cirílico, во̑л) significa boi (em inglês: ox). Reforça a minha suspeita o uso da abreviação “fr.” ante uma palavra grega à nota de rodapé da página 1315 do mesmo livro; claramente um erro tipográfico pela troca de “gr.” por “fr.”.
[x] Referência aos vv. 163-164 dos Fenômenos de Arato, citados integralmente na Geografia de Estrabão, Livro 8, Capítulo 7, Seção 5: “a história conta que lá Zeus foi amamentado por uma cabra, tal como Arato escreveu: ‘Cabra Sagrada, que, na história, ofereceste teu peito a Zeus’ e ele continua dizendo que ‘os intérpretes chamam-na a cabra olênia de Zeus’, indicando assim claramente que esse local fica perto de Oleno” (tradução nossa da versão em língua inglesa traduzida por Hamilton e Falconer em 1903). A Greek-English Lexicon de Liddell & Scott traz dois apontamentos interessantes sobre essa palavra. O verbete Ὠλένος informa que o nome da cidade acaia provavelmente origina-se do fato que ela se encontra na curva ou dobra (ὠλένη) de uma colina, donde o adjetivo Ὠλένιος, que também significa “que se encontra no cotovelo”. Já o verbete Ὠλένιος se referencia à estrela Capella, que se encontra no cotovelo do Cocheiro, e informa que o termo foi confundido com o gentílico da cidade Ὠλένος.
[xi] Allen não menciona de quais idiomas esses termos proviriam. Encontramos em Ideler (Untersuchungen über den Ursprung und die Bedentung der Sternnamen, pg. 95) o seguinte parágrafo que melhor esclarece a questão: “In der lateinischen Übersetzung des Ali Ebn Reduan wird der Fuhrmann die Figur genannt, in qua hora formantur. Scaliger will Roha — رخ — heißt im Arabischen der Fuhrmann. Da ich رخ beim Golius in dieser Bedeutung nicht fand, so fragte ich bei Hrn. Tychsen an, in wie weit Scaliger Recht habe. Seine Antwort war: ‘dass Roh oder Roha den Fuhrmann bezeichne, ist mir unbekannt, wenn man nicht die fabelhaften Vogel رخ , Roch, (avis quae integrum Rhinocerota rapit asportaque) der freilich einen Fuhrmann abgeben könnte, hieher ziehen will. Sonst hat das Wort رخ , Rach ausgesprochen, die Bedeutung eines Fuhwerks, wie Castellus in seinem Lex. Heptagl. bezeugt. صاحب رخ, Sâhib rach, würde mithin ein Fuhrmann heißen’. Hr. Beigel hält dafür, dass hora nichts weiter als ein Druckfehler für lora ist, so dass figura in qua lora formantur, die Figur, an welcher Zügel gezeichnet werden, die mit Zügeln versehn ist, eine bloße Übersetzung des griechischen und arabischen Namens unsere Sternbildes sein würde”. Ideler aponta que a hipótese de Scaliger não deve ser verdadeira pois a palavra Roh/Roha não significa Condutor em árabe. Em seguida aponta para a hipótese de Beigel, mencionada por Allen, de que Hora é um erro de impressão, pois a palavra real seria Lora, um termo latino para rédeas.
[xii] Referência ao Livro X, Capítulo III, da obra De Architetura, de Vitrúvio, denominado De alia machina tractoria, no qual se lê a frase “His explicatis, antariis funes antes laxi collocentur”.
[xiii] Essas palavras árabes usam o singular عنان. Atualmente esses nomes são mais usados com o plural: أعنة (ʾaʿinnah), formando al-Dhū al-ʾAʿinnah, al-Māsik al-ʾAʿinnah e al-Mumsik al-ʾAʿinnah, que possuem o significado geral “o que segura as rédeas”.
[xiv] Referência a João 10:11. Na versão Almeida Corrigida Fiel: “Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas”.
[xv] Excerto dos vv. 157-159 dos Fenômenos de Arato, na tradução de Raphael Zillig em Arato, Fenômenos (Cadernos de Tradução, 38, jan-jun, 2016, org. Bacarat Jr., J. C., Porto Alegre: Instituto de Letras da UFRGS). Allen usou a tradução versificada de John Lamb: “Capella's course admiring landsmen trace, / But sailors Hate her inauspicious face”. No original grego: “σκέπτεσθαι δοκέει, καί τοι φάτις ἤλυθεν αἰγός / αὐτῆς ἠδ᾽ Ἐρίφων, οἵ τ᾽ εἰν ἁλὶ πορφυρούσῃ / πολλάκις ἐσκέψαντο κεδαιομένους ἀνθρώπους”.
[xvi] Referência ao Livro XVIII do Naturalis Historia, onde Plínio escreveu “capella pluvialis”.
[xvii] Sobre o nome “olênia”, veja nota [x] acima.
[xviii] Referência ao v. 25, Livro III, da Tebaida, de Estácio: “Purior Olenii frustra gradus impulit astri”. Allen erroneamente atribui esse nome às Heroides de Ovídio, que usou na verdade olenium pecus: “Plias et Arctophylax Oleniumque pecus?” (in Heroides, XVIII, v. 190). Considerando que Allen se baseou bastante em Ideler, sua confusão pode ter advindo de uma leitura rápida com anotações trocadas do seguinte parágrafo: “An einem andern Ort (Heroïd. ep. XVIII. 188) sagt der Dichter Olenium pecus. Statius (Theb. III. 25) hat Olenium astrum” (in Ideler, Untersuchungen über den Ursprung und die Bedentung der Sternnamen, pg. 93). Nota-se inclusive que mesmo Ideler trocou o verso 188 pelo 190, na referência a Ovídio.
[xix] Referência aos vv. 419-423, Livro I, do Astronomicon de Manílio. Tradução de Marcelo Vieira Fernandes (in Manílio — Astronômicas: Tradução, Introdução e Notas, Dissertação de Mestrado, PPG Letras Clássicas, Universidade de São Paulo, 2006). Compare com o texto latino: “nobilis et mundi nutrito rege Capella, / cuius ab uberibus magnum ille ascendit Olympum / lacte fero crescens ad fulmina vimque tonandi. / Hanc ergo aeternis merito sacravit in astris / Iuppiter et caeli caelum mercede rependit”. Alen usou a tradução versificada feita por Thomas Creech que não é estritamente correspondente ao original grego devido às demandas da versificação; por conta disso, Allen citou versos do Livro II nessa tradução: “The Nursing Goat's repaid with Heaven” que no original latino eram apenas “(…) lacte Capellam”. Optei por usar a tradução de Marcelo Vieira Fernandes aos versos do Livro I pois estes correspondem mais aproximadamente ao verso traduzido usado por Allen.
[xx] Allen informou apenas a tradução ao inglês. Suponho que recolheu-a de outra fonte e não teve acesso ao original. Segundo o que consegui apurar, o termo Nešėja valgio está registrado no Dictionarium trium linguarum de Konstantinas Širvydas, publicado em diversas edições no século XVII.
[xxi] Keren-happuch é o nome dado à terceira filha de Jó. Seu nome significa “chifre usado para armazenar o kohl” — um cosmético usado para realçar o contorno dos olhos, produzido com estibina (Sb2S3) moída. Daí as traduções atuais usarem “Chifre de Pintura” ou “Chifre de Antimônio”, entre outros. Na Septuaginta, essa palavra foi estranhamente traduzida como Ἀμαλθείας κέρας, a Cornucópia, talvez pela falta de análogo mais adequado em grego. Cabe anotar aqui que Allen erroneamente escreveu “Cornus tibii”, em vez de “Cornu stibii” (Chifre de Antimônio), como a tradução da mesma palavra usada na Vulgata.
[xxii] Allen escreveu Alcahela, mas em Assemani a palavra está claramente escrita Alcabelah: القبله.
[xxiii] Referência aos vv. 162-164 dos Fenômenos de Arato: “(…) Está fixada ao seu ombro esquerdo / a Cabra sagrada que, segundo o relato, ofereceu o peito a Zeus; / os intérpretes de Zeus a chamam ‘Cabra Olênia’”, na tradução de Raphael Zillig em Arato, Fenômenos (Cadernos de Tradução, 38, jan-jun, 2016, org. Bacarat Jr., J. C., Porto Alegre: Instituto de Letras da UFRGS). A frase de Allen é um tanto confusa: “The ‘armborne she goat,’ however, of Aratos, derived from the priests of Zeus” por sugerir que foram os sacerdotes de Zeus que estabeleceram a localização da Cabra. Ademais, pela marcação entre apóstrofes, Allen indica que as palavras ‘armborne she goat’ se encontram em Arato, mas a tradução de Robert Brown Jr., a que ele frequentemente usa, não as emprega: “(…) On his left shoulder / The Sacred Goat which men say offered Zeus its dug; Zeus’ servants call it the Olenian Goat”. É possível que Allen esteja citando de um terceiro trabalho ou misturando obras. A tradução de Arato feita por A. W. Mair & G. R. Loeb usa a expressão “Arm-borne (Olenian) Goat” mas para traduzir o verso 680, que não faz referência aos sacerdotes de Zeus; de qualquer forma, essa tradução é de 1921, décadas após a publicação do livro de Allen. No original grego, os vv. 162-164 são: “(…) σκαιῷ δ᾽ ἐπελήλαται ὤμῳ / αἲξ ἱερή, τὴν μέν τε λόγος Διὶ μαζὸν ἐπτσχεῖν, / Ὠλενίην δέ μιν Αἶγα Διὸς καλέουσ᾽ ὑποφῆται”.
[xxiv] A discussão que se segue provém da Catholic Encyclopedia (1913, vol. 2, Nova Iorque: Robert Appleton Company, pg. 30). O Livro de Jó faz menção a Ash e Ayish, formas quase certamente divergentes da mesma palavra, de significado ainda desconhecido. A Vulgata e a Septuaginta traduziram-nas como Arcturus e Hesperus (a “estrela vésper”). No entanto, Abenezra apresentou motivos tão fortes para que Ash, ou Ayish, se referisse à Ursa Maior, que sua opinião, embora provavelmente errônea, ainda prevalece. Ele baseava-se principalmente na semelhança entre ash e o árabe naʿash, "um esquife", aplicado às quatro estrelas do Vagão (Ursa Maior), figurando as três dianteiras como lamentadores, sob o título de Benat naʿash, as “filhas do esquife”. Mas Jó também falou sobre os “filhos de Ayish”, e parece irresistível não associá-las às Plêiades, como o fez o comentarista bíblico judaico Rashi, para quem Ayish é Alcyone. Por outro lado, Schiaparelli apontou que ash denota "mariposa" no Antigo Testamento, e que as asas dobradas do inseto são imitadas em sua forma triangular pelas estrelas das Híades. Na Peshitta (a tradução canônica da Bíblia usada pela Igreja Siríaca), Ayish é traduzido como Iyutha, uma constelação mencionada por Santo Éfrem e outros escritores. Schiaparelli usou várias indicações dadas pela literatura árabe e siríaca para concluir que Iyutha significa Aldebaran, a grande estrela vermelha na cabeça do Touro, sendo seus filhos as chuvosas Híades. Hyde, Ewald e outros estudiosos adotaram Capella e os Cabritos como representantes de Iyutha e, portanto, de “Ayish e seus filhos”; mas essa interpretação envolve incongruências.
[xxv] Segundo o Arabic-English Lexicon de Lane, esse nome deveria ser transcrito como al-ʿInāzu: “العِنَازُ is a name of the two stars [ζ and η] on the left [or the right] wrist together with العَيُّوق [which is Capella]”.
[xxvi] Allen parece ter trocado as letras ao escrever Al Hāḍī. Segundo Wetzstein, os beduínos chamavam a estrela diretamente antes das Plêiades de Ḥādī, que representa o cameleiro que canta à frente da caravana para encorajar os camelos.
[xxvii] O maisir (ميسر‎) era um jogo de apostas que normalmente envolvia sete apostadores, que retiravam flechas de uma recipiente largo em busca de uma flecha previamente marcada, que indicará o vencedor. A analogia poética pode provir de serem normalmente sete as Plêiades visíveis a olho nu. Embora este jogo tenha sido proibido por Maomé, seu uso prosseguiu por muitos séculos no mundo árabe.
[xxviii] Também pode ser encontrada escrita como No Amon, Nô Amon, No-Amon, etc.; a grafia que usamos é aquela empregada da versão Almeida Corrigida Fiel. Nô-Amom significa “cidade de Amon” no antigo idioma egípcio, e era um dos nomes de Tebas. Naum 3:8 traz: “És tu melhor do que Nô-Amom, que está assentada entre os canais do Nilo, cercada de águas, tendo por esplanada o mar, e ainda o mar por muralha?”. Já em Jeremias 46:25 é chamada apenas de Nô: “Diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Eis que eu castigarei a Amom de Nô, e a Faraó, e ao Egito, e aos seus deuses, e aos seus reis; ao próprio Faraó, e aos que nele confiam”.
[xxix] Allen se refere ao templo da deusa Diana Propyla em Elêusis, com base no texto latino da Graecae descriptio de Pausânias: “Apud Eleusinios Triptolemi aedes est, propylaeae Dianae, & Neptuni patris”. Mas Pausânias usou Ártemis no texto grego: “Ἐλευσινίοις δὲ ἔστι μὲν Τριπτολέμου ναός, ἔστι δὲ Προπυλαίας Ἀρτέμιδος καὶ Ποσειδῶνος Πατρός” (in Tēs Hellados Periēgēsis, Livro I, Cap. XXXVIII, ed. Wilhelm Xylander, 1696, pp. 92-93). Por isso considerei mais adequado traduzir como Ártemis Propileia.
[xxx] Esse texto cuneiforme é extensamente analisado por Brown em Researches into the origin of the primitive constellations of the Greeks, Phoenicians and Babylonians, vol. II, Cap. XI (1899). Brown opina que as estrelas aí descritas marquem mansões lunares. Esta tabuinha é conhecida como BM 42262 (5R 46/1) e, pelo que consegui apurar, encontra-se na coleção do British Museum.
[xxxi] Referência aos vv. 6-7 de Maud: A Melodrama, Parte III, Seção VI, Estrofe I: “And the shining daffodil dies, and the Charioteer / And starry Gemini hang like glorious crowns” (e o brilhante narciso morre, e o Cocheiro / e Gêmeos estrelado pendem como coroas gloriosas).
[xxxii] Allen apresenta a discussão sobre a cor de Capella como um problema atual (do seu tempo). Nos dias atuais, as medições fotométricas permitem calcular de forma precisa o índice de cor da estrela, que os astrônomos usam como uma medida de sua “cor”. Entretanto, é inexplicável e digno de nota a informação de que estimativas de cor tão díspares tenham sido observadas por diferentes indivíduos, desde o azul até o vermelho. Embora pareça ser uma estrela singular, Capella é um sistema quádruplo composto por duas gigantes, de tipos espectrais K0 III e G1 III, e duas anãs vermelhas. A luz integrada é majoritariamente composta pela luz das duas gigantes e corresponde ao índice de cor BV = +0.80, que lhe dá uma tonalidade amarelada, levemente alaranjada, certamente mais para o vermelho do que para o branco ou azul citado por Allen.
[xxxiii] A origem dessa afirmação parece ser o artigo Observations on the (apparently periodical) variations in the lustre of certain stars of the first magnitude (Forster, T. 1843, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, v. 5, p. 232-235). Lê-se nesse artigo: “The author has had his attention directed to the subject of the apparently periodical variations of brightness in certain of the stars, since the year 1824; (…) The first stars which attracted particular attention, on account of the striking variations observed in their apparent lustre, were α Orionis, Aldebaran, and Procyon, and to these were afterwards added Capella, Rigel, and α Lyrae”. Forster prossegue explicando que fez suas observações por estimativas visuais, nas quais confia mais, e passa a relatar pequenas variações de brilho relativo entre as estrelas mais brilhantes, algumas por um fator de até 4-5. O autor, ciente da subjetividade de suas dados, assim expõe sua motivação: “Under the conviction that all recorded facts are useful, especially in the infancy of any particular inquiry, he has extracted from his note-books the observations which he has at different times made on several stars, notwithstanding their rudeness and the imperfections of their arrangement, with the hope of aiding an investigation into the nature and variations of star-light”. Um aumento de luminosidade perceptível em um século particular — que não constatado atualmente por instrumentos de medida — não é muito consistente com as escalas de tempo da evolução estelar. Parece-me que as observações relatadas por Forster não são suficientemente precisas para respaldar suas afirmações.
[xxxiv] Citação aos comentários do reverendo Ebenezer Burgess no The Sûrya Siddhânta: A Text Book of Hindu Astronomy, (1860, Delhi). A frase original: “why so faint and inconspicuous a star should be found among the few of which Hindu astronomers have taken particular notice is not easy to discover”.
[xxxv] Referência aos vv. 5-6 do Epigrama XX da Antologia de Calímaco: “κηρύσσω πανάληθες ἔπος τόδε ‘φεῦγε θαλάσσῃ / συμμίσγειν ἐρίφων, ναυτίλε, δυομἐνων”. Tradução versificada nossa. Allen usou uma tradução versificada, de autor que não consegui identificar, citada no The Bedford Catalogue: “Tempt not the winds forewarned of dangers nigh, / When the Kids glitter in the western sky”. Compare com a tradução ao inglês feita por A. W. Mair em 1921: “Flee the company of the sea, O mariner, when the Kids are setting!”.’
[xxxvi] Referência aos vv. 204-205 do Livro I das Geórgicas de Virgílio. No original: “Praeterea tam sunt Arcturi sidera nobis, / Hoedorumque dies servandi, et lucidus Anguis” (também devemos observar Arcturus, os dias dos Cabritos e o brilhante Dragão).
[xxxvii] Referência ao v. 418, Livro I, do Astronomicon de Manílio. Tradução de Marcelo Vieira Fernandes (in Manílio — Astronômicas: Tradução, Introdução e Notas, Dissertação de Mestrado, PPG Letras Clássicas, Universidade de São Paulo, 2006). Compare com o texto latino: “Hunc subeunt Haedi claudentes sidere pontum”. Alen usou a tradução versificada feita por Thomas Creech que não é estritamente correspondente ao original grego devido às demandas da versificação: “Stormy Haedi (...) which shut the Main / And stop the Sailers hot pursuit of gain”.
[xxxviii] John Hill em Urania, de 1754, traz essas pitorescas linhas: “Embora a constelação de Auriga como um todo não fosse mencionada entre aquelas com as quais os antigos pressagiavam o tempo, as duas estrelas de seu braço eram as mais importantes destas. São estas que chamavam pelo nome de Haedi, e temiam-nas tão intensamente por conta das tempestades que sucediam ao seu nascer, que diziam que elas fechavam o mar. E o dia em que a sua influência terminava, ao que sabemos, era celebrado com um festival de esportes e jogos, sob o nome de Natalis Navigationis. Germânico as chama de estrelas hostis aos marinheiros, e Virgílio as iguala a Arcturus, mencionando seus ocasos e nasceres como eventos do mais importante presságio. Horácio também as coloca juntos como as mais formidáveis de todas as estrelas para aqueles que seguem o tráfego do mar”.
[xxxix] Allen indica que o significado dessa palavra árabe seria “o Cervo”, segundo o próprio Assemani que a descreveu do globo borgiano: “الحر Alhorr, Cervæ hinnulus; Sequens de duabus, quæ sunt in vola dextera, & vocantur duo hœdi” (in Globus Caelestis Cufico-Arabicus Veliterni Musei Borgiani, pag. CXIX). Todavia, não fui capaz de encontrar esse significado em nenhum dos dicionários árabes que consultei, a não ser que o nome do animal venha do uso metafórico e geograficamente restrito de certos significados de حر: ingênuo, livre, nobre, puro, bondoso.
[xl] A identificação correta das estrelas que compõem os asterismos chineses é uma tarefa difícil. Allen se baseou em obras antigas escritas por ocidentais que visitaram a China e lá viveram por algum tempo. Na própria introdução de sua obra, ele admite que pode haver erros de identificação dos asterismo chineses, além de erros de tradução. Portanto, algumas de suas afirmações precisam ser tomadas com cuidado quando comparadas com compilações modernas como as presentes na wikipedia, que correspondem à contribuição de diversas pessoas, incluindo sinofalantes nativos. Neste parágrafo em particular, Allen menciona o asterismo Tseen Hwang e o traduz como Heavenly Pool, atribuindo-lhe as estrelas μ, ρ e σ Aur. Nas listas modernas, essas estrelas surgem distribuídas em dois asterismos diversos, mas com significado conceitual aproximado: μ e σ em Tiān Huáng, o Lago Celestial — claramente o Tseen Hwang de Allen —, enquanto ρ e λ formariam o Xián Chí, o Lago (ou Fosso) da Harmonia. Daí, talvez, a origem da confusão na identificação.
[xli] Allen escreveu erroneamente Βουλήγες.

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