Ara


E isto notarás mas por pouco tempo;
Pois ela está oposta ao Guardião da Ursa
E como é alto o curso deste
Ela logo afunda ao mar ocidental. [i]
Fenômenos, de Arato.


ARA

é Altar em Português, Espanhol, Inglês e Alemão, Altare na Itália, Autel e Encensoir na França.

O Altar e constelações vizinhas, no mapa de Hevelius

Situa-se onde Arato a descreveu —

Abaixo do brilhante ferrão daquele enorme signo,
O Escorpião, próximo ao Sul, ergue-se o Altar;

e em épocas clássicas estava intimamente associado ao Centauro e ao Lobo, aos quais se unia a oeste, antes da constelação da Régua ser formada.

Os romanos a conheciam pelo mesmo nome, mas por vezes designaram-na Ara Centauri (Altar do Centauro), Ara Thymiamatis (Altar do Incenso) e como Thymele, o altar de Dioniso; e ocasionalmente por seu diminutivo Arula. Ela foi também Altare, Apta Altaria, Altarium; Sacrarium e Sacris; Acerra, o pequeno altar no qual perfumes são queimados ante os mortos; Batillus, uma bandeja de incensos; Prunarum Conceptaculum, um Braseiro; Focus, Lar e Ignitabulum, todos com o significado de Lareira ou Fogo Doméstico; e Ἑστία, ou Vesta, a deusa dos lares.

Thuribulum e Turribulum, um Turíbulo, mais corretamente Turibulum, foram títulos comuns até o século XVIII.

Pharus também veio a ser usado, uma vez que os altares frequentemente eram colocados no topo das torres de templos, servindo assim como faróis, dos quais o Farol de Alexandria foi o maior exemplo.

Uma incomum representação do Altar, no Hyginus de 1482, ladeado por demônios.

Das Tábuas Afonsinas juntaram-se a esses títulos Puteus, um Poço; Sacrarius (Sacrário) e Templum (Templo); mas elas a representam como um típico altar. Na Aratea de Leiden ela é um braseiro tripé com incenso a queimar; nas edições ilustradas de Hyginus de 1482 e 1535, um altar do qual chamas ascendem, com demônios de ambos os lados; e um manuscrito alemão ilustrado do século XV mostrava um Poço com grandes demônios arremessando outros pequenos no abismo.[ii] Isto faz lembrar a narrativa da punição de Jove aos gigantes derrotados após ele ter, como escreveu Manílio:

Então, Júpiter constituiu um Altar de estrelas
Que ainda resplandece com máximo brilho, [iii]

por ocasião da guerra contra os Titãs, quando os deuses necessitavam de um altar nos céus para seus votos mútuos. Tal poeta também a descreveu como

ara ferens turis stellis imitantibus ignem, [iv]

o que indica que se imaginava a chama a subir para o norte através da Via Láctea, ou que esta última era sua própria fumaça e chama; e foi assim concebido e representado pelos antigos, até os tempos dos globos árabes e dos manuscritos da Idade Média. Mas desde os dias de Bayer, ela tem sido mostrada numa posição invertida, o que não deixa de ser apropriado para uma constelação austral.

Arato a chamou Θῦτήριον; outros, Θῦσιαστήριον, ambos com o significado de Altar; Proclo e Ptolomeu, Θυμιατήριον, um Incensário; e Bayer citou Ἐχάρα que mais corretamente deveria ser Ἐσχάρα, um Braseiro ou Pira para Sacrifícios, Πυράμνη, uma palavra não lexical, e Λιβανωτίς, que ele indubitavelmente quis dizer Λιβανωτρίς, outro termo usado para um Turíbulo ou Incensário, dentro do qual a erva votiva era queimada. Eratóstenes tinha Νέκταρ ή Θῦτήριον, que entretanto nem Ideler, nem Schaubach, conseguiram compreender e argumentar tratar-se de uma leitura corrompida. Seus vários nomes clássicos mostram discordância quanto a sua forma, mas grande familiaridade com suas estrelas, por parte dos primeiros observadores, entre os quais ela tinha importância como portadora de mudanças nos ventos e no tempo, tendo Arato dedicado-lhe vinte e oito linhas — um espaço grande e desproporcional — dos Fenômenos a esta característica de Ara.

O Altar (Ara), no belíssimo mapa celeste de Ignace Gaston Pardies, de 1693.

Na Arábia, ela era al-Mijmarah, um Incensário, o que, sendo o único título da constelação naquele país, aponta que ela não tinha sido formada lá antes da introdução da astronomia grega. Derivações desta palavra são encontradas no Almegramith de Riccioli e no Almugamra de Caesius.

Este último autor afirmou que Ara representava um dos altares erguidos por Moisés ou o próprio altar de ouro no Templo em Jerusalém; mas outros da escola bíblica tinham-na pelo Altar de Noé erigido após o Dilúvio. Estudos eufrateanos parecem mostrar um Altar estelar localizado noutra parte do céu, o qual Brown considera provavelmente ter sido o signo zodiacal perdido, subsequentemente representado pelas Garras e, posteriormente, pela Balança; e identifica-o com o 7.o mês e signo acadiano Tul-Ku, o Altar Sagrado ou o Bendito Outeiro, talvez uma referência ao altar-colina da Torre de Babel. Quando tais mudanças ocorreram, este primitivo Altar zodiacal teria sido removido para sua posição atual, e seu papel duplo como altar e incensário teria sido preservado por conta de sua representação eufrateana. Esta lembrança do primeiro Altar talvez poderia explicar a, doutra forma estranha, proeminência dada nos tempos clássicos à pouco conspícua Ara, considerando que Manílio a chama de Mundi Templum (Templo do Mundo). Este último termo também possui significado estelar, pois Varrão o usou para indicar uma divisão do céu. [v]

Outros detalhes acerca desse antigo Altar eufrateado estão anotados no texto dedicado à Libra.

Curiosamente, Lalande afirmou que outra constelação existia antigamente nessa região, que foi representada na esfera egípcia de Petosíris como um Cynocephalus.

Ara não é completamente visível a norte do 23.o grau de latitude, e seu curto período de visibilidade acima do horizonte para um observador grego — apenas umas quatro horas — explica a alusão feita por Arato nos versos que encabeçam esta sessão.

Gould catalogou nela 85 estrelas, entre as magnitudes 2.8 e 7; mas nenhuma recebeu um nome clássico, a não ser na China.

α, 2.9,

É informalmente conhecida nas listas estelares atuais como Choo ou Tchou, transcrição imperfeita do Mandarim Chǔ, um Pilão ou Bastão, inicialmente correspondente a um asterismo que também incluía as estrelas β e σ.

β, 2.8

Na Turquia, ela é por vezes denominada Vasat-ül-cemre, que deriva do árabe Wasaṭ al-Jamrah, Meio da Lareira ou da Fogueira.

Esta estrela, juntamente com γ, δ, ε e ζ marcam a chama que se projeta do topo do Altar para o sul.

δ

era parte do asterismo chinês Guī, a Tartaruga, que incluía outras quatro estrelas do Altar: ζ, ε1, γ e η.

Em algumas listas estelares, δ e ζ Arae figuram erroneamente na edição original deste livro com o nome Tseen Yin (Tiān Yīn), Céu Escuro ou a Sombra Celestial, que na verdade é o nome de um antigo asterismo em Áries. Esse erro parece da confusão das abreviaturas ζ Ara com ζ Ari.

O mesmo erro levou a nomear ε Ara como Tso Kang (Zuǒ Gēng), em vez de ε Ari; β, γ e ι como Low (Lóu), outro asterismo situado em Áries, e uma estrela não identificada (e 602 de Reeves) como Tseen O (provavelmente, Tiān Yǔ). Devido ao alcance desta obra, tais erros contaminaram listas estelares posteriores, de tal modo que não é possível saber ao certo se ainda há como corrigi-los.

μ, 5.12

foi batizada como Cervantes durante a votação online promovida pela União Internacional Astronômica em 2015, em homenagem ao escritor espanhol Miguel de Cervantes.

Ela hospeda um sistema de pelo menos quatro planetas, cada um dos quais também batizados na mesma votação com nomes de personagens da obra de Cervantes: Quixote, Dulcinea, Rocinante e Sancho.


Notas Explicativas da Tradução


[i] Tradução livre a partir da tradução do texto grego ao inglês feita por Robert Brown Jr., citada por Allen: “And this you note but little time aloft; / For opposite Bear-watcher doth it rise. / And whilst his course is high in air, / It quickly speeds beneath the western sea.” Compare com a tradução de A. W. & G. R. Mair, de 1921: “Brief is the space thou wilt behold it above the horizon: for it rises over against Arcturus. High runs the path of Arcturus, but sooner passes the Altar to the western sea”.
[ii] Não há referência clara que permita identificar esse manuscrito em particular, mas é possível supor que seja um dos diversos manuscritos medievais do século XV inspirados nas ilustrações do Liber Introductorius, um compêndio astrológico escrito por Michael Scotus em meados do século XIV. Este livro foi a principal fonte de conhecimento popular acerca das constelações na Europa durante a Idade Média. A ilustração de Scotus para o Altar representava uma taça em chamas cercada por quatro demônios (apud Kristen Lippincott, 2017, Hyginus, Michael Scot (?) and the Tyranny of Technology in the Early Renaissance, Antichistica, 13, p. 257). A presença de demônios ao redor do Altar contrasta com todas as representações subsequentes inspiradas em Dürer, o que reforça a plausibilidade de que ela tenha evoluído para a representação mencionada por Allen.
[iii] Trecho dos vv. 431-432, Livro I do Astronomicon de Manílio. Tradução nossa a partir do original latino: “tunc Iuppiter Arae / sidera constituit, quae nunc quoque maxima fulgent”. Allen usa a tradução ao inglês feita por Thomas Creech que não é exatamente fiel ao original, eventualmente por ser versificada: “Rais'd this Altar, and the Form appears / With Incense loaded, and adorned with Stars”. A tradução de Marcelo Vieira Fernandes (in Manílio — Astronômicas: Tradução, Introdução e Notas, Dissertação de Mestrado, PPG Letras Clássicas, Universidade de São Paulo, 2006) segue a mesma linha da nossa: “Júpiter, então, estabeleceu a constelação da Ara, / que também agora resplandece, com o maior dos brilhos”.
[iv] Na tradução de Marcelo Vieira Fernandes (ver nota acima): “Ara, portando sua chama de incenso, pois suas estrelas o imitam”.
[v] Tito Lucrécio Caro usou o termo “Mundi Templum” para representar o próprio céu, no Livro VI de De Rerum Natura: “At vigiles mundi magnum et versatile templum”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário