Que as muitas estrelas dos céus austrais
Só refulgiram aos olhos tribais.[i]
To My Honored Friend Dr. Charleton, de John Dryden
APUS
ou Apous, como Caesius escreveu a partir do Grego, situa-se imediatamente abaixo do Triângulo Austral, a cerca de 13° do polo. É a nossa Ave do Paraíso, a Bird of Paradise para os anglofantantes, a Oiseau de Paradis dos franceses, a Paradies Vogel dos alemães e a Uccello Paradiso dos italianos.
Apus, na Uranografia de Bode |
Bayer estranhamente usou Apis Indica (Abelha Índica), em seu planisfério de novas constelações austrais, onde o típico pássaro é apresentado, bem como na página correspondente de texto; mas o consenso universal pelo nome Apus, ou Avis, e sua aparição como Apus Indica e Indianischer Vogel na edição alemã resumida do trabalho de Bayer, publicada em 1720, com o fato de que ele tinha outra, e correta, Apis, indicaria um erro tipográfico no original; mas isso não parece ter sido aludido antes. O desenho nos mapas estelares sempre correspondeu ao pássaro típico das Papuas, que Caesius adota no título Paradisaeus Ales; mas ela algumas vezes foi denominada Avis Indica, o Pássaro Índico.
O planisfério da edição inglesa da obra Astronomie Populaire, de Flammarion, feita por Gore apresentava a constelação como House Swallow (Andorinha de Java), provavelmente retirada de antigas listas ou léxicos ornitológicos; pois Andrews-Freund [iii] traduz Apus como Black Martin (Andorinhão-Preto), sinônimo inglês para o Hirundo apus de Lineu, — o Cypselus apus de William Yarrell, — não uma andorinha, entretanto, mas sim um andorinhão bem conhecido do Velho Mundo, com pernas e pés perfeitamente formados, embora pequenos, e ainda assim adequados aos seus modos de vida; e o pássaro estelar aparece no poema Scholar of Thebet Ben Khorat de Willis como
Andorinha com sua pequena companhia;
E Vesta, albicelha, iluminando seu percurso
Solitária e com a calma dos planetas; [iv]
com esta nota explanatória:
Uma constelação arábica que se situa onde temos o Peixe Austral, posto que a andorinha voa para a Arábia próximo à época do nascer helíaco dos Peixes.
Tirando essas duas instâncias, não se encontra outra evidência a tais títulos estelares hirundinos, e ambas devem estar erradas. A afirmação de Willis deve ter vindo do Χελιδόνιας do par zodiacal [v], mas ele se equivoca ao atribuir esta figura estelar à Arábia e ao considerá-la um substituto do Peixe Austral, bem como ao confundi-la com a mais antiga constelação dos Peixes.
Mas todo esse poema é encantador com respeito às alusões estelares. Eis um outro exemplo:
Para onde foi a Plêiade?
Onde todas as estrelas ausentes encontram luz e lar?
Quem ordena o ir e vir da estrela Mira?
Por que jaz solitária a estrela polar?
E por que, feito irmãs coligadas, pelo ar
Segue em tropas brilhantes a feira das constelações? [vi]
Apus encontra-se de forma similar na China como Yì Què, o Passarinho Exótico ou o Pequeno Pássaro Maravilhoso. Schiller incluiu-a com o Camaleão e o Peixe Voador em sua Eva bíblica. Gould detalha sessenta e sete estrelas visíveis a olho nu, tendo sua lúcida, γ Apodis, a magnitude de 3.9.
Esta é uma das doze novas constelações austrais às quais o nome de Bayer é geralmente associado, embora ele apenas as adotou, de acordo com Gould, dos globos de Jacob, ou Arnold, Floris van Langren [vii]; mas Bayer distintamente atribuiu sua formação a “Américo Vespúcio, Andreas Corsalius, Petrus Medinensis e Petrus Theodorus”, navegadores do começo do século XVI, dando ao último muito do crédito de apresentação ao público. Também Smyth atribuiu a invenção delas a Petrus Theodorus e sua publicação a Andreas Corsalius, em 1516. No Treatise de Chilmead, elas são indefinidamente atribuídas aos “homens do mar portugueses, holandeses e ingleses”.
Willem Jansson Blaeu, o célebre construtor de globos de Amsterdã, contemporário de Chilmead, creditava a introdução dessas constelações a Friedrich Houtmann, que fez observações a partir da ilha de Sumatra; enquanto este último, de acordo com Semler, asseverou ter-se baseado nos chineses; embora Ideler negue isto, ainda assim reconhece que tal nação conhecia Phoenix, Indus e Apus como o Pássaro de Fogo, o Persa e o Pequeno Pássaro Maravilhoso, traduções quase exatas dos títulos ocidentais; e resumiu sua descrição delas com a opinião de que sua origem “está envolvida em uma obscuridade que é muito pouco possível penetrar”.
Notas Explicativas da Tradução
[i] Versos 19-20 do poema de To My Honored Friend Dr. Charleton, de John Dryden. Tradução nossa. No original: And all the Starrs, that shine in Southern Skies, / Had been admir’d by none but Salvage Eyes.
[ii] No poema The Eve of Saint Mark, Keats as enumera entre outras criaturas: And the warm angled winter screen, / On which were many monsters seen / Call'd Doves of Siam, Lima Mice / And legless birds of Paradise. O próprio Lineu as denominou Paradisea apoda, 'aves do paraíso sem pernas', porque os primeiros exemplares mortos que chegaram à Europa foram preparados pelos nativos sem as pernas. Daí, alguns supuseram que tais exóticos pássaros fossem visitantes do Paraíso, que se mantinham incólumes no ar, sem jamais pousar na terra.
[iii] Andrews-Freund é como usualmente se referencia a tradução ao inglês, feita em 1850 por Ethan Allen Andrews, do dicionário Wörterbuch der Lateinischen Sprache do filólogo Wilhelm Freund. Essa obra foi posteriormente revista por Charlton T. Lewis e Charles Short, ficando conhecida como Lewis & Short.
[iv] Excerto dos vv. 36-38 do poema The Scholar of Thebet Ben Khorat, de Nathaniel Parker Willis. Tradução nossa. No original: Hirundo with its little company; / And white-brow'd Vesta lamping on her path / Lonely and planet-calm. Willis viveu entre 1806 e 1867, nos EUA, e provavelmente leu sobre a sucessiva descoberta de asteroides, que teve início em 1801, após Giuseppe Piazzi identificar Ceres. Entre 1801 e 1850, esses pequenos corpos eram considerados planetas menores, embora a classificação como asteroide já tinha sido proposta por Herschel. O poema de Willis toma partido nessa polêmica, ao apontar que Vesta se move com a calma típica dos planetas (“Lonely and planet-calm”).
[v] Segundo o Dicionário Grego-Inglês de Liddell & Scott, Χελιδονίας significa “atum” e refere-se ao Peixe boreal, na constelação dos Peixes, enquanto χελιδόνιος significaria “hirundino; relativo a andorinha”. Pelo que me foi possível descobrir, Allen parece indicar que o equívoco de Willis partiu dessa semelhança vocabular. Ainda assim, Allen usa uma palavra com acento deslocado: Χελιδόνιας, com respeito às supracitadas.
[vi] Versos 193-198 do poema The Scholar of Thebet Ben Khorat, de Nathaniel Parker Willis. Tradução nossa. No original: Where has the Pleiad gone? Where have all missing stars found light and home? Who bids the Stella Mira go and come? Why sits the Pole-star lone? And why, like banded sisters, through the air / Go in bright troops the constellations fair? Todo o poema celebra os conhecimentos astronômicos dos sábios árabes.
[vii] Jacob Floris von Langren (c.1525-1610) foi um cartógrafo e fabricante de globos holandês. Sua família persistiu no ramo e vários membros ganharam destaque, como seu filho Arnold e seu neto Michael Floris von Langren.
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