Corona Australis


Outras poucas,
abaixo do Arqueiro, sob seus pés dianteiros,
dispostas em círculo, revolventes circulam. [i]
Fenômenos, de Arato.


CORONA AUSTRALIS

A Coroa Austral ou Coroa do Sul é conhecida como Southern Crown pelos ingleses, Südliche Krone pelos alemães, Couronne Australe pelos franceses e Corona Australe pelos italianos. Seu nome latino, Corona, por vezes também apareceu qualificado pelos adjetivos austrina, meridiana, meridionalis ou notia. É uma constelação muito inconspícua, embora reconhecida desde os tempos de Ptolomeu como uma das antigas quarenta e oito. Em mapas modernos, sua localização está próxima à cintura do Sagitário, na borda da Via Láctea.
Corona Australis, em Hevelius

Arato não a menciona nominalmente exceto por seu uso do plural Στεφάνοι para ambas as Coroas; ainda assim ele a tinha em mente quando escreveu o Δινωτοὶ Κύκλῳ [ii] da epígrafe deste capítulo. Seu escoliasta e Gêmino tinham Ὀυρανίσκος, o Dossel, Δευτέρος, o Segundo, e Δευτέρα Κύκλα, o Segundo Círculo. Diz-se que Hiparco a conhecia como Κηρυκεῖον, o Caduceu, ou Insígnia da Paz do Arauto, mas não se encontra essa informação em seus Comentários. Ptolomeu a denominou Στεφάνος νοτίος, a Guirlanda do Sul.
Corona Austrina, no mapa de Ignace Pardies

Germânico interpretou a suposta referência nos Fenômenos como Corona sine honore — isto é, sem qualquer tradição digna de nota tais como aquelas relacionadas à Coroa Boreal; comentando sobre isso, Grócio disse que esse autor, bem como Cícero e Avieno, entendia que Arato se referia à figura do sul; e acrescentou que essa era a Coroa do Centauro, pois esses personagens frequentemente eram representados portando-as. Essa idéia, sem dúvida, originou-se dos raios solares espalhados, em forma de coroa, ao redor das cabeças dos Gandharvas, os cavalos celestes arianos que provavelmente foram os precursores dos centauros. Ela foi, portanto, adequadamente associada ao centauro Sagitário e recebeu o título Corona Sagittarii.

Manílio não fez alusão a ela; mas outros poetas clássicos consideraram-na a Coroa que Baco pôs no céu em homenagem a sua mãe Sêmele; ou aquela que comemorava as cinco vitórias de Corina sobre Píndaro em suas competições poéticas; e alguns consideravam-na um antigo Molho de Flechas que se irradiava da mão do Arqueiro, frequentemente imaginado como uma roda. Essa ideia foi expressada nos títulos Τροχός Ἰξιόνος e Rota Ixionis, a Roda de Íxion,[iii] talvez da relação deste último com o centauro Folo.

Albumasar chamou-a de Coelum, enquanto Coelulum e parvum Coelum, o Pequeno Céu, i.e. um Dossel, encontram-se no Satyricon,[1] os escritos enciclopédicos do cartaginês Marciano Mineu Félix Capela do século V, no 8.o livro em que ele trata sobre Astronomia.
A constelação representada como uma Tenda,
no Livro das Estrelas Fixas, de Al-Ṣūfī.

Lalande citou Sertum australe, a Grinalda Austral, e Orbiculus Capitis, literalmente uma Pequena Roda para Cabeça; Proctor, Brown, e John Ellard Gore mencionam Corolla, a Pequena Coroa, mas este título foi usado há 250 por Caesius, que também forneceu Spira australis, a Espira Austral, e afirmou que suas estrelas representavam a Coroa da Vida prometida no Novo Testamento.[iv] Julius Schiller, no entanto, voltou um milênio antes de nossa era ao identificá-la como o Diadema de Salomão.

Al-Ṣūfī é nossa autoridade para seu nome árabe al-Qubbah, literalmente a Tartaruga, mas da forma desta passou a significar um Domo ou Tenda de mulheres; pela mesma razão, al-Khibāʾ, a Tenda, e em Qazwīnī, Udḥḥā al-Naʿām, o Ninho do Avestruz, estando as aves próximas no que hoje são o Arqueiro e a Águia. Al-Fakkah, o Anel Quebrado, tomada emprestada da Coroa Boreal, mas entre os arábios dos séculos posteriores ela era al-Iklīl al-Janūbīyy, seu equivalente para nosso título; que foi transcrito por Chilmead como Alachil Algenubi; por Riccioli, Elkleil Elgenubi; e por Caesius, Aladil Algenubi.

Os chineses conheciam-na como Biē, a Tartaruga. E seu nome atual, considerando os limites da constelação que conhecemos, é Nán Miǎn, a Coroa do Sul.

Bayer ilustrou a Coroa Austral como uma típica grinalda, mas sem as fitas de sua homônima boreal, e as Tábuas Afonsinas originais mostram um simples objeto em forma de coração, sem nenhuma similaridade com o nome. Gould atribui a ela quarenta e nove estrelas, muito mais do que Heis inventariou em seu homólogo bem mais célebre e perceptível no Norte.

α, 4.1.

A lucida, na borda leste da constelação, já foi denominada Alfecca meridiana na tradução latina dos Comentários de Ridwan, isto é a Alfecca do Sul, em referência à lucida da Coroa Boreal. Daí as variantes Alphecca ou Alphekka meridiana. Desse título vem seu nome oficial Meridiana, escolhido em 2017 pelo WGSN da União Astronômica Internacional.


Notas de Rodapé (do texto original)


[1] Este foi um livro-texto popular séculos atrás, notável mesmo entre nós, pois contém uma exposição muito clara do sistema heliocêntrico, provavelmente de Hicetas de Siracusa, 344 aC; e pode ter levado Copérnico, que o citou em 1543, a suas próprias conclusões sobre o assunto.


Notas Explicativas da Tradução


[i] Excerto dos vv. 399-401, dos Fenômenos de Arato, na tradução de C. Leonardo B. Antunes (in Arato, Fenômenos. Cadernos de Tradução, 38, jan-jun, 2016, org. Bacarat Jr., J. C., Porto Alegre: Instituto de Letras da UFRGS). Allen usou a tradução versificada por Brown Jr.: “… other few, / Below the Archer under his forefeet, / Led round in circle roll without a name”. No original grego: “… ὀλίγοι γε μὲν ἄλλοι / νειόθι Τοξευτῆρος ὑπὸ προτέροισι πόδεσσιν / δινωτοὶ κύκλῳ περιηγέες εἱλίσσονται”.
[ii] “Dispostas em círculo”.
[iii] No mito grego, Íxion era um rei grego que fora banido de seu reino por assassinar o sogro, mas acolhido ao Olipo por piedade de Zeus. Embora tenha recebido a misericórdia divina, Íxion não soube se portar e passou a assediar Hera. Para testá-lo, Zeus criou Néfele, um simulacro da deusa em forma de nuvem, com a qual Íxion copulou e de cuja união nasceram os centauros. Tendo a prova dos propósitos de Íxion, Zeus puniu-o amarrando-o em uma roda de fogo que gira por toda a eternidade.
[iv] Referência a Tiago 1:2 e ao Apocalipse 2:10.

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