E, sim, também Prócion brilha maravilhosamente
abaixo de Gêmeos. [i]
Fenômenos, de Arato.
CANIS MINOR
é o nosso Cão Menor; para os anglófonos, the Lesser Dog; entre os alemães, der Kleine Hund; na França, le Petit Chien; e na Itália, il Cane Minore. Proctor, ignorando Lalande, estranhamente o alterou para Felis (Gato). [ii]
O Cão Menor, no Firmamentum Sobiescianum sive Uranographia de Hevelius |
Os gregos não lhe atribuíam qualquer título comparativo, mas era sempre προκύων, “pré-cão”, por nascer antes de seu companheiro Cão, o que os clássicos escritores do latim transcreveram como Procyon, e aqueles do período tardio da Idade Média como Prochion e Procion. Cícero e outros traduziram-no como Antecanis, — algumas vezes Anticanis, — Antecedens Canis, Antecursor, Praecanis, Procanis e Procynis; ou simplesmente mudaram-no para Canis. A este último nome, desde os tempos de Vitrúvio, e talvez já antes dele, os romanos aditavam vários adjetivos: septentrionalis, de sua posição mais ao norte com respeito a do Cão Maior; minor, minusculus e parvus, em referência ao seu brilho inferior; primus, por nascer primeiro; e sinister, por estar à esquerda, em distinção ao Canis dexter à direita. Lucano descreveu ambos os Cães como semi deosque Canes (Cães Semidivinos).
Ele também era Catellus e Catulus, o Cãozinho.
Horácio escreveu sobre ele:
Jam Procyon furit, [iii]
que Gladstone representou como
The heavens are hot with Procyon's ray, [iv]
como se ela fosse a Canicula, e outros o acompanharam nisto; de fato, Plínio considerava que os Dias de Cão iniciavam com seu nascer helíaco em 19 de julho, e estranhamente afirmou que os romanos não possuíam outros nomes para ela.
Em representações mais modernas, o Cão Menor parece folgadamente repousar na garupa do Unicórnio, como no Urania's Mirror de Sidney Hall. |
Entre os mitologistas, ela era o cão de Actéon, ou um dos cães de Diana, ou o egípcio Anúbis; mas popularmente o Segundo Cão de Órion, frequentemente chamado Canis Orionis, e, portanto, confundido como doutras formas com o asterismo de Sirius. Higino tinha-o como Icarium Astrum (Astro de Icário), em referência ao cão Maera; Caesius, Erigonius (Erigônio) e Canis virgineus (Cão da Virgem) da mesma história, mas identificada por Ovídio com o Cão Maior; e Fírmico, Argion, que talvez seja o cão Ἄργος de Ulisses. Também se considerou que ela representasse o favorito de Helena, perdido no Euripo, em prol do qual ela teria implorado a Jove para que mantivesse vivo no céu. [v]
Ela partilhava da nomenclatura muito misturada e degenerada de seu cão companheiro, como se vê no Almagesto de 1515: “Antecedens Canis et est Alsehere Ascemie Algameisa”; enquanto o diligente Bayer, como de costume, tinha alguns nomes muito estranhos para ela. Entre estes estão Fovea, um Poço, sobre o qual Caesius muito comentou, mas pouco esclareceu; e Συκάμινος, ou Morus, o Sicômoro, o equivalente a um de seus títulos arábicos. Seus Aschemie e Aschere, bem como o Alsahare alsemalija de Chilmead, e nomes híbridos do Almagesto supramencionado, etc., são todos derivados do original al-Shiʿrā al-Shāmyyah, a Estrela Brilhante da Síria, assim chamada porque ela parecia desaparecer da vista dos árabes pondo-se além daquele reino.
Também encontramos al-Jummaizā, seu termo para o Sicômoro, embora alguns afirmem que este deveria ser al-Ghumaiṣāʾ, a Obscura, de Olhos Lacrimejantes, ou a Chorosa; tanto por ser sua luz mais fraca do que a de sua irmã al-Shiʿrā (Sirius), ou da fábula do casamento de Suhayl com al-Jawzāʾ e subsequente fuga, seguida por al-Shiʿrā para baixo da Via Láctea, onde esta permaneceu, tendo deixado sua outra irmã, al-Ghumaiṣāʾ, solitária e aos prantos em seu lugar costumeiro, ou pode ser devido a uma reminiscência do título eufrateano para Procyon, — o Cão da Água. Bayer escreveu esta palavra como Algomeiza; Riccioli, Algomisa e Algomiza; e outros, Algomeysa, Algomyso, Alchamizo, etc. Assim, para os árabes, as duas Estrelas do Cão eram al-Akhawāt al-Suhayl, as Irmãs de Canopus. Outra possível derivação do nome é al-Ghamūṣ, o Cãozinho; mas isso provavelmente é devido à influência romana tardia.
Também emprestando desses, os arábios a chamaram al-Kalb al-Aṣghar, o Cão Menor, — o Alcheleb Alasgar de Chilmead, Kelbelazguar de Riccioli,— e al-Kalb al-Mutaqaddim, o Cão Precedente.
No Cão Menor situa-se parte da Dhirāʿ al-Asad al-Maqbūḍah, a Pata Dianteira Contraída do primitivo Leão dos árabes; a outra, a Pata Estendida, seguia em direção à cabeça dos Gêmeos.
Como sua vizinha mais brilhante, Procyon prognosticava riquezas e fama, e em toda a astrologia era muito bem vista. Leonard Digges [1] escreveu em seu Prognostication Everlasting of Right Good Effect, um almanaque para 1553, —
Who learned in matters astronomical, noteth not the great effects at the rising of the starre called the Litel Dogge. [vi]
Caesius fez dela o Cão de Tobias, na Apocrypha, o qual Novidius reivindicou para o Cão Maior; mas Julius Schiller imaginou-a como o Cordeiro Pascoal.
Cão Menor, no atlas de Bode |
Quem traçou os limites originais do Cão Menor, e quais eram estes, é incerto, pois a constelação à época de Ptolomeu continha apenas duas estrelas registradas, e nenhuma ἀμόρφωτοι; e mesmo atualmente o mapa de Argelander mostra apenas 15, embora Heis tenha 37, e Gould, 51.
Cão Menor jaz à sudeste dos pés dos Gêmeos, tendo sua borda ocidental ao longo da Via Láctea, e está separa do Cão Maior e de Argo pela constelação do Unicórnio.
α, Binária, 0.4, e 13, branco amarelada e amarela.
Procyon, com as variantes Procion e Prochion, — Προκύων no original, — tem sido seu nome desde os primitivos registros gregos, distintamente mencionados por Arato e Ptolomeu, e desta forma conhecida pelos latinos, com o equivalente Antecanis. Por vezes aparece escrita aportuguesada como Prócion ou mesmo Procião.
Cão Menor, nas Tábuas Afonsinas |
Ela portanto tinha muitos dos nomes de sua constelação; de fato, sendo-lhe a estrela mais brilhante, provavelmente os tinha antes de a própria constelação ser formada.
Jacob Bryant insistiu que seu título chegou à Grécia a partir do egípcio Purcahen. [vii]
Estudiosos da cultura eufrateana identificam-na com Kakkab Paldara, Pallika ou Palura dos cilindros, a Estrela da Travessia do Cão da Água, um título evidentemente dado em alguma referência ao Rio Celestial, a adjacente Via Láctea; e Hommel afirma que ela era Kak-shisha que a maioria dos acadêmicos aplica a Sirius.
Dupuis informou que nas fábulas hindus ela era Singe Hanuant; e Edkins, que ela, ou Sirius, correspondia à Vanand dos persas.
A lista de asterismos chineses de Reeves a atribui a Nán Hé, o Rio do Sul, no qual β e ε eram incluídas. [viii] Neste asterismo, Procyon tinha uma alcunha particular: Nán Hé Dà Xīng, a Grande Estrela do Rio do Sul. E ambas, α e β, eram chamadas de Hé Shù, Guardiães do Rio, isto é, da Via Láctea.
Entre os nativos das ilhas Cook,[ix] ela era sua deusa Vena.
Juntamente com Sirius e Betelgeuse, Procyon forma o asterismo popularmente conhecido entre astrônomos amadores como o Triângulo de Inverno.
O Triângulo do Inverno é mais conhecido entre amadores do hemisfério norte por analogia com o famoso Triângulo do Verão. |
Na astrologia, tal como sua constelação, ela predizia riqueza, fama e boa sorte.
Sua paralaxe é 0″.285, correspondendo a uma distância de 11.5 anos-luz; ela se aproxima de nós a uma velocidade de 3.2 km s-1. Seu tipo espectral é F5 IV-V.
Em novembro de 1896, Schaeberle do Lick Observatory descobriu-lhe ao redor uma fraca anã branca, a qual já havia sido prevista por Bessel em 1844 para explicar seu movimento próprio, — um movimento similar ao de Sirius, que também possui uma companheira de baixa luminosidade só descoberta no século XIX. O período de revolução desse magnífico sistema é pouco mais de 40 anos, em uma órbita ligeiramente maior que a de Urano, porém mais excêntrica que a de Mercúrio, o que leva a distância estre as estrelas variar de 8.9 UA até 21 UA. A massa total do sistema é cerca de duas vezes a massa do Sol. Já a luminosidade total chega a ser sete vezes maior que a do Sol.
β, 3.5, branca.
Gomeisa vem do nome Ghumaiṣāʾ da constelação, modificado nas Tábuas Afonsinas para Algomeyla, e por Burritt para Gomelza.
Ocasionalmente ela foi nomeada Al Gamus, mais corretamente al-Ghamūṣ, de outro título arábio para o conjunto; e al-Murzim, nome idêntico ao de β Canis Majoris, e por um motivo similar, — como se anunciassem o nascer da estrela mais brilhante da figura. Os árabes utilizavam-na, com Procyon, para marcar os pontos terminais de seu côvado curto, al-Dhirāʿ, sendo seu côvado longo a linha entre Castor e Pollux dos Gêmeos.[x] A mesma palavra aparece como título de uma das mansões lunares dessa constelação.
As pequenas estrelas 1, 6 e 11 Canis Minoris formavam o asterismo chinês Shuǐ Wèi,[xi] o Nível da Água, uma designação que deve ter-lhes sido dada devido à proximidade com o Rio Celestial, a Via Láctea.
Notas de Rodapé (do texto original)
[1] Foi este Digges que, cerca de cinquenta anos antes de Galileu, escreveu sobre o telescópio como se ele fosse um instrumento com o qual já tivesse familiaridade, — talvez dos escritos de Roger Bacon 350 anos antes.
Notas Explicativas da Tradução
[i] Versos 450 dos Fenômenos de Arato. A tradução ao português é de Cesar Lopes Gemelli em Arato, Fenômenos (Cadernos de Tradução, 38, jan-jun, 2016, org. Bacarat Jr., J. C., Porto Alegre: Instituto de Letras da UFRGS). No original: “καὶ μὴν καὶ προκύων Διδύμοις ὕπο καλὰ φαείνει”. Allen usou a tradução ao inglês feita por Robert Brown Jr.: “The Dog's-precursor, too, shines bright beneath the Twins”.
[ii] Lalande criou a constelação do Gato em 1799. Situava-se entre a Hidra e a Máquina Pneumática. Atualmente, é uma constelação desusada. Em 1870, aparentemente ignorando essa constelação, Richard A. Proctor buscou reintroduzir um gato na esfera celeste, pelo rebatizado do Cão Menor.
[iii] Excerto do v. 18 da Ode III.29 de Horácio. Tradução aproximada: “Já Procyon se enraivece”.
[iv] In The Odes of Horace, W. E. Gladstone (trad.), Londres: John Murray, 1894, pg. 118. Em tradução aproximada: “Os céus estão quentes com os raios de Procyon”.
[v] Supostamente um cão que acompanhava Helena por ocasião de seu rapto por Páris, segundo algumas fontes online. Todavia não encontrei qual texto original grego mencione esse cão ou a prece de Helena a Zeus.
[vi] “Aquele que é versado em assuntos astronômicos, não deixará de perceber os grandes efeitos do nascer da estrela denominada Pequeno Cão”.
[vii] In Analysis of Ancient Mythology, vol. I, 1775, (Londres: T. Payne), pg. 341. Veja a nota [xii] em Canis Major.
[viii] Allen informa que η CMi era parte deste asterismo. A rigor, η CMi é dele uma estrela adicional, e não uma das principais.
[ix] Veja a nota [xxi] em Canis Major.
[x] Não creio que ter compreendido claramente o que Allen menciona nessa frase. A confusão se deve a ele misturar uma medida de distância no céu (que seria angular) com uma unidade de medida física regularmente usada entre os árabes, o Dhirāʿ (ذراع) que mede aproximadamente 64 cm. Ainda, mencionar duas medidas (um côvado curto e um côvado longo) mas usar uma única palavra para ambos. Não fui capaz de encontrar a referência original que inspirou Allen a escrever esta frase em particular. Ainda, cabe mencionar que noutras partes do texto, Allen se refere a esta Dhirāʿ apenas como a pata (recolhida ou estendida) da constelação Asad (primitiva constelação do Leão, dos árabes, sem relação com a zodiacal).
[xi] Allen aponta como estrelas deste asterismo as ζ, θ, ο e π CMi, todavia listas de identificação modernas atribuem essas estrelas ao asterismo Nán Hé (南河).
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